Cereais ucranianos: magnata morto na véspera da saída do primeiro navio
A Turquia anunciou ontem que, "muito provavelmente", o primeiro navio com cereais ucranianos sairá hoje do porto de Odessa, ao abrigo do acordo alcançado a 22 de julho com a Rússia para permitir o retomar das exportações a partir do mar Negro. Devido à guerra, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu ontem que a produção de cereais deste ano seja duas vezes menor do que o normal, reiterando que o objetivo de Kiev é evitar uma crise alimentar mundial. Na linha da frente, nos mais fortes ataques em Mykolaiv desde a invasão, morreu um dos homens mais ricos da Ucrânia, Oleksiy Vadatursky, dono da empresa exportadora de cereais Nibulon.
"Não foi um acidente, mas um assassínio deliberado, bem pensado e organizado", indicou numa mensagem no Telegram um dos assessores de Zelensky, Mikaylo Podolyak. Segundo este responsável, o míssil atingiu "com precisão" o quarto de Vadatursky, de 74 anos, matando também a sua mulher. "Não há lugar para dúvidas", afirmou, considerando que os "bárbaros russos" estão a tentar desestabilizar a sociedade ucraniana com "ataques terroristas".
O gabinete de Zelensky ofereceu ainda condolências à família e aos amigos, reiterando o contributo "incalculável" que o empresário - 24.º na lista dos mais ricos do país, segundo a Forbes, com uma fortuna estimada de 430 milhões de dólares - prestou ao longo de 50 anos de carreira, tendo recebido a distinção de "herói da Ucrânia". O próprio presidente falou de "uma grande perda para toda a Ucrânia".
O ataque surge na véspera da esperada partida dos primeiros cereais ucranianos através do mar Negro. "Existe uma forte possibilidade de um primeiro navio poder partir amanhã de manhã", disse o porta-voz da presidência turca, Ibrahim Kalin, ao Kanal 7, da Turquia. "Os navios estão carregados, estão prontos a partir, mas precisamos de boa coordenação logística", acrescentou, falando que ainda era preciso acertar uma ou duas questões com os russos. O Centro de Coordenação Conjunto, que ao abrigo do acordo negociado com a ONU vai controlar as exportações dos cereais ucranianos por via marítima, foi inaugurado na quarta-feira, em Istambul.
Apesar do esperado retomar das exportações dos cereais que já estavam armazenados nos silos, Zelensky lembrou numa mensagem no Twitter que, por causa da guerra, a produção de cereais ucranianos pode ser este ano duas vezes menor do que o normal. A declaração era acompanhada de um curto vídeo, onde se mostra o impacto da invasão nos campos de cereais - bombardeados, incendiados... - e na crise alimentar.
Os ataques que resultaram na morte de Vadatursky foram dos mais intensos em Mykolaiv desde o início da guerra, com pelo menos 12 mísseis a atingir residências e escolas. Também três pessoas ficaram feridas. Mas os bombardeamentos não se ficaram pela região sul, com pelo menos uma pessoa a morrer nos ataques em Bakhmut, na região de Donetsk.
No sábado à noite, o presidente ucraniano deu ordens para a retirada dos civis precisamente desta região, que tem sido palco da ofensiva russa - após assumir o controlo de Lugansk, as forças leais a Moscovo procuram agora conquistar Donetsk para "libertar" todo o Donbass. A saída é obrigatória, indicou Zelensky, havendo ainda cerca de 200 mil pessoas na região. "A decisão de sair tem que ser tomada em alguma altura. Quanto mais pessoas saírem de Donetsk agora, menos pessoas o exército russo poderá matar", acrescentou o presidente. Só no sábado, três civis morreram e oito ficaram feridos.
No dia em que a Rússia assinalou o Dia da Marinha, as autoridades da região da Crimeia (anexada pelos russos em 2014) revelaram que o centro de comando em Sevastopol foi atingido por uma pequena explosão provocada por um drone comercial. O ataque ao quartel-general da Frota do Mar Negro causou ferimentos em cinco pessoas. As autoridades russas na região apontaram o dedo aos "nacionalistas ucranianos", mas Kiev nega responsabilidades, dizendo que o ataque foi uma "desculpa inventada" para cancelar a parada do Dia da Marinha. Por esta ocasião, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou uma nova doutrina naval, que aponta para os EUA e a sua "política estratégica para dominar os oceanos mundiais" e o movimento da NATO junto às fronteiras russas como as principais ameaças para a Rússia e estabelece as ambições de Moscovo em áreas como o Ártico ou o mar Negro.
A Rússia ainda não autorizou à Cruz Vermelha o acesso ao centro de detenção de Olenivka, no Leste da Ucrânia, controlado por Moscovo, nem aos prisioneiros ucranianos que ficaram feridos no ataque de sexta-feira. Pelo menos 50 prisioneiros de guerra morreram e 73 ficaram feridos no ataque, cuja responsabilidade os russos atribuem a Kiev e os ucranianos a Moscovo. O Ministério da Defesa russo disse no sábado à noite que tinha convidado tanto a Cruz Vermelha como as Nações Unidas para visitarem a prisão, mas a organização humanitária disse ontem à tarde que ainda não tinha confirmação oficial do acesso ao local nem que a sua ajuda material tenha sido aceite.
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