Mais de duas centenas de pessoas protestaram hoje no centro de Lisboa contra um acórdão do Tribunal de Relação do Porto que consideram machista e que desculpabiliza o crime de violência doméstica.."Machismo é crime" ou "Juiz machista não faz justiça" foram algumas das palavras de ordem ouvidas, e embora uma das associações que convocou a concentração não defendesse qualquer sanção contra o juiz outra das palavras gritadas pelos manifestantes foi "demissão"..Os manifestantes, entre eles vários deputados do Bloco de Esquerda, empunharam cartazes com palavras como "Contra a cobardia", "No século XXI não queremos juízes do século XIX", ou "Diga não à violência contra a mulher"..Em causa está um acórdão, datado de 11 de outubro, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando a culpa do agressor pelo facto de a vítima ter cometido adultério..O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem ainda o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.."Mais uma vez a justiça teve uma decisão altamente sexista, a decisão do Tribunal da Relação envergonha-nos e choca-nos. Nada justifica a violência contra as mulheres, estamos aqui para dizer basta", disse Joana Sales, dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta, UMAR, uma das entidades que convocou a concentração..Porque "é na rua que se muda a consciência" e as políticas, "estamos aqui para mostrar o nosso desagrado", disse a responsável, lembrando que com o mesmo objetivo decorreram também concentrações no Porto, Évora e em Coimbra, "para dizer que machismo é crime"..Lembrando que a UMAR tem feito um trabalho de sensibilização nas escolas sobre a violência doméstica, Joana Sales considerou que o acórdão em causa "vem dar à sociedade um efeito quase contrário". Joana Sales não disse se o juiz devia ou não ser afastado mas defendeu "formação constante dos magistrados"..Sandra Cunha, deputada do Bloco de Esquerda, disse também à Lusa que o partido quer que haja "uma especialização de todos os agentes que trabalham nestas situações" os técnicos das instituições, mas também" os agentes dos tribunais e os próprios magistrados".."Que quem julgue estes processos esteja apetrechado de todo o conhecimento e que se pare de desvalorizar o crime que mais mata", disse Sandra Cunha, que espera uma mudança da Justiça quanto ao crime de violência doméstica..Porque, disse, há no país uma "cultura de desculpabilização da violência domestica" e o tipo de acórdão em causa não é caso único do juiz nem caso único do sistema judicial. "É recorrente na Justiça as penas aplicadas serem penas suspensas, são recorrentes os processos arquivados", e trata-se do tipo de crime que mais vítimas provoca, alertou, explicando que o quadro legal existe mas nem sempre é aplicado..Manifestações no Porto.Cerca de meio milhar de pessoas concentrou-se hoje no Porto para protestar contra o acórdão do juiz Neto de Moura na apreciação de um recurso de um caso de violência doméstica..Numa praça a poucos metros do Tribunal da Relação do Porto, o final de tarde reuniu homens e mulheres de todas as idades, que com cartazes, palavras de ordem e canções, mostraram o seu desagrado pelo acórdão..Em causa está um acórdão, datado de 11 de outubro passado, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando a culpa do agressor pelo facto de a vítima ter cometido adultério..O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem ainda o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância..Segurando um cartaz onde se lia "o juiz é adúltero", Jorge Milheiro exibiu a sua indignação, considerando, em declarações à Lusa, que "não é justo que o juiz tenha usado os termos que usou dirigidos a uma mulher que caiu numa cilada provocada pelo amante"..Criticou também o recurso pelo juiz "ao código penal de 1886 que já está caduco há muitos anos" e, sobre a posição do Conselho Superior de Magistratura de avançar com um procedimento disciplinar considerou ser pouco.."Não me parece boa ainda, eles estão a ver no que é que isto dá, mas a opinião pública é unânime em rejeitar o que o juiz fez e isso devia ser levado em consideração", disse o cidadão de 72 anos para quem o Ministério Público "devia tomar uma posição sobre isto"..Richard Zimmler, escritor norte-americano radicado no Porto juntou-se aos manifestantes, explicando que o fez para "mostrar solidariedade às vítimas de abusos, de violações, e para exigir um sistema de justiça que responda às necessidades e que defenda as pessoas mais frágeis vulneráveis"..E sobre o acórdão, não poupou nas críticas: "o raciocínio do juiz é um bocado grotesco ao referir a Bíblia", defendendo "uma separação total entre a religião e o Estado".."Temos o exemplo do "casamento" entre a religião e o governo, que se chamou a Inquisição portuguesa e que durou de 1536 até 1770", recordou o escritor, considerando que apesar de não poder comentar decisão por não conhecera lei, já o raciocínio "foi caricato, grotesco e anacrónico"..E prosseguiu: "a parte mais preocupante, para mim, é esta tentativa de legitimar a utilização de violência doméstica. O sistema de justiça que legitima a utilização de violência é um falso sistema de justiça"..Para a jovem Luísa Barateiro o acórdão provocou-lhe surpresa e revolta, explicando que este "além do caráter machista viola vários direitos constitucionais desde a igualdade de género até à laicidade do Estado".."A posição deste juiz é antiquada, de um machismo medonho e é acima de tudo uma posição de quem não sabe desempenhar a função dele, uma pessoa que não consegue ser imparcial", disse, antes de rematar o tema admitindo ser este "um caminho muito perigoso"..Em nome da organização, a plataforma "Parar o machismo construir a igualdade" Patrícia Martins mostrou a "indignação feminista" pelo acórdão que foi lavrado no Tribunal da Relação do Porto em que um "coletivo de juízes fez julgamentos morais e de valores sobre o comportamento de uma mulher, pondo em causa um crime de violência doméstica".