Celebrar as derrotas como vitórias: a virtude de António Costa

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António Costa é um político experimentado, de verbo fácil e lógica cartesiana, capaz de vencer qualquer oponente em debate direto. É também capaz de transmutar derrotas em vitórias e levar a audiência a aplaudir qualquer erro cometido pela equipa governativa que dirige. Diga-se, em abono da verdade, que esta é uma característica geral dos políticos portugueses. Costa contudo eleva a fasquia e leva-a para um nível superior.

Os resultados da mortalidade materna regrediu 38 anos situando-se os valores atingidos em 2021 no mesmo patamar do início dos anos 80. Um desastre. Durante a fase mais aguda da covid Portugal conseguiu ter o maior número de mortos por milhão de habitantes do mundo (!) durante várias semanas. Portugal também teve o maior número de mortes excessivas da União Europeia durante um largo período. Estes factos aterrorizadores foram vendidos, com sucesso, como a defesa do Sistema Nacional de Saúde e fruto do investimento do Estado decidido pelo Governo no setor da saúde. A ministra responsável tornou-se mesmo muito popular e foi eleita deputada com larga margem.

Na área económica lançam-se foguetes pelo crescimento económico rápido, sem uma palavra sobre a funda recessão anterior e sem mencionar que ainda não atingimos o nível de 2019. Quando quase todos já ultrapassaram esse patamar em vez de celebrar devíamos perguntar-nos o que leva a este desempenho medíocre.

Os salários e as pensões perdem poder de compra, as taxas de juro começam a aumentar, mas o Governo insiste que tudo está bem e que se não justificam aumentos. Os patrões e a maioria da comunicação social concordam. O país empobrece mas celebramos.

Os portugueses saem do país em busca de melhores condições, mas celebramos. Basta passar a fronteira para ganhando o salário mínimo ter mais do que o salário médio português. Incrível.

Chegámos a uma situação em que não vale a pena investir tempo e dinheiro em educação em Portugal, vale a pena é emigrar. Qualquer pessoa o percebe. Muitos licenciados portugueses recebem menos que o ordenado mínimo em França, ou na Holanda, ou na Bélgica, ou na Finlândia, ou na Suécia, ou no Reino Unido, no Luxemburgo, ou na Dinamarca, ou na Suíça, ou na Alemanha, etc., etc.. É a anti seleção dos talentos. Um desastre. Mas brindamos à nossa geração mais educada de sempre, mas que infelizmente continua a ser uma das menos escolarizadas da Europa. Outra derrota transmutada em vitória.

Na habitação mantemos milhares de portugueses em favelas, ao mesmo tempo que temos vazias dezenas de milhares de casas, mas orgulhamo-nos de atrair muitos reformados estrangeiros que vão comprando e mantendo os preços inacessíveis para a maioria dos portugueses. Um mercado que não funciona e que não tem oferta pública alternativa. Mas devemos orgulhar-nos da nossa atratividade. Lisboa é linda. Mais uma derrota que se vende como vitória.

Este talento para nos iludirmos, para transformar derrotas em vitórias, para imaginar feitos onde há apenas defeitos, não nos permite encarar a realidade, enfrentar os problemas e resolvê-los. É uma das maiores causas da estagnação económica e da regressão social das últimas três décadas.

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