CCB. Os 25 anos de uma vida que começou muito antes

O edifício nasceu harmonioso no meio de muitas peripécias. Uma ideia a partir de um cubo com 7,5 metros de aresta.
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Maria Pinto Basto é a pessoa que há mais tempo trabalha no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa. O contrato diz que está lá desde 1 de julho de 1992 mas tinha começado antes, porque fez parte da equipa da presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre de 1992. Os 25 anos de vida que o centro celebra na próxima terça-feira têm um "antes" de que Maria faz parte desde 1990. Antes dela, só mesmo os que trataram do projeto e da obra desde 1988.

A atual coordenadora do departamento de Literatura e Pensamento do CCB tinha sido requisitada à Câmara de Cascais, onde trabalhava nos serviços educativos do Museu Castro Guimarães. A confusão dos primeiros anos em Belém não a assustou, até porque tinha feito o curso de História na Universidade Nova, quando o espaço era partilhado por professores, estudantes e militares do Trem Auto. As obras no CCB avançavam ao mesmo tempo que os trabalhos europeus, com cautela para que não houvesse barulho durante as reuniões.

O arquiteto Manuel Salgado, coautor com o italiano Vittorio Gregotti do projeto do Centro Cultural de Belém, explica como foi possível construir em tempo recorde aquele grande edifício: "Havia uma grande sobreposição entre projeto e obra, o que obrigava a que uma equipa grande e diversificada tivesse um conjunto de regras muito bem definidas para que tudo batesse certo no final."

Criar regras não era tema estranho ao método de trabalho de Gregotti, como conta o atual vereador da Câmara de Lisboa, que o considera um dos seus quatro mestres. "Ele é um homem com uma cultura de príncipe da Renascença. Começou por fazer a sua formação como compositor de música, o que dá bem a dimensão da personagem." Diretor da revista Casabella durante dez anos e autor de inúmeros livros, Gregotti "focou-se sempre na relação entre arquitetura e território. A desenhar um projeto, tem uma metodologia particular de abordagem em que a regra tem uma enorme importância - regra de desenho ou regra da métrica, a matemática da qual resulta a conceção do espaço. Foi uma aprendizagem única".

A regra definida para o CCB, explica Salgado, "tem por base um cubo com 7,5 por 7,5 por 7,5 metros, subdividido em oito módulos - 0,9375, ainda me lembro do número - que, por sua vez, subdividido dava o degrau, e ao dar o degrau dava o espelho do degrau e o cobertor do degrau, a altura das portas, a altura do teto falso, a altura entre o teto falso e a laje de betão armado, a dimensão das janelas. Ao desenhar uma porta, todos sabíamos que tinha múltiplos ou submúltiplos e isso tinha de encaixar naquele puzzle. E o mesmo em relação aos planos de parede, à altura do teto, ao espaço para as condutas do ar condicionado. Em vez de usar um metro, toda a gente utilizava esta escala na conceção geral do espaço e não havia hesitações. As medidas eram aquelas."

Mas estava-se em 1991. A construção avançava e no interior já havia muito a acontecer. Chegaram os móveis para os gabinetes do Centro de Reuniões, todos desenhados por Daciano da Costa - o mesmo designer do mobiliário original da Gulbenkian. Nas paredes, foram colocados quadros vindos do Museu do Chiado, encerrado para reestruturação desde o incêndio do Chiado de 1989. Conta Maria que andavam todos intrigados porque faltava sempre uma almofada a um certo sofá. Um dia perceberam, quando o responsável da obra desabafou: "Homessa, isto é a minha casa." Os horários intensivos obrigavam-no a dormir lá e a almofada dava-lhe jeito.

O sorriso do chefe do protocolo das comunidades que em meados de dezembro de 1991 veio ver como estavam as obras desvaneceu-se quando teve de colocar um capacete na cabeça e observou que o chão do hall estava coberto de cartões e os vidros começavam a ser aparafusados. "Era uma espécie de cenário", recorda Maria Pinto Basto, mas na data certa estava tudo pronto para receber os responsáveis europeus. Claro, desde que ninguém fosse espreitar o Grande Auditório - "abria-se a porta e era um buraco".

Acontece que o Grande Auditório não fazia falta à presidência europeia e só veio a ser inaugurado em setembro de 1993. Mas os gabinetes estavam preparados, as ilhas no interior devidamente blindadas para uma segurança apertada. Num dos gabinetes do fundo ficava Jacques Delors, ali perto François Mitterrand e os outros responsáveis europeus, por ordem alfabética para não criar problemas. Só a troika - a Holanda, que tinha presidido no semestre anterior, Portugal e o Reino Unido, que se seguiria nos últimos meses de 1992 - estava fora da ordem alfabética. Ainda assim, "felizmente - diz Maria - o presidente Mário Soares preferiu que o hino fosse tocado no exterior, no dia 1 de janeiro de 1992".

Apesar de o "dono da obra" ser uma entidade difusa na altura, os trabalhos iam correndo. Gregotti queixava-se então de não ter interlocutores e de ter tido de tomar decisões tão de pormenor como o tipo de máquina de café a instalar na cafetaria. Tinha dividido o conjunto em três módulos: o centro de reuniões, o centro de espetáculos e o centro de exposições. Um, dois, três, e mais o quatro e o cinco - hotel e galeria comercial, que só agora vão avançar.

Para a presidência europeia só era preciso ter em funcionamento o centro de reuniões. O quartel general das operações situava-se no piso térreo, onde hoje funciona a Sala de Leitura criada em 2007. Ali se juntavam os responsáveis dos vários serviços operacionais. Todas as comunicações eram feitas por rádio e uma mensagem em particular chamou a atenção dos utilizadores. Todos os dias, a uma determinada hora, a PSP repetia a frase: "Estamos a dirigir-nos ao objetivo." Era a melhor hora para ir almoçar ao restaurante abastecido pelo Ritz. Mensagem entendida, o almoço juntava cada vez mais gente à mesma hora. "Lá íamos todos para o objetivo", conta Maria.

A partir de 1 de julho de 1992, o CCB ganhou vida própria. A 21 de março do ano seguinte, foi feita com enorme afluência de público a inauguração oficial: um concerto ao ar livre, na Praça do Museu, com os Madredeus e a Orquestra Sinfónica. A 10 de junho, abriu o Centro de Exposições com O Triunfo do Barroco, mostra organizada para a Europália 91, O Trabalho, de Sebastião Salgado, e uma terceira, com a obra do ateliê de arquitetura ARX. O Grande Auditório abriu a 22 de setembro com um concerto memorável de Monserrat Caballé.

Desde então, e com sucessivas administrações, o Centro Cultural de Belém acolheu espetáculos e exposições que dependeram não apenas dos critérios de escolha dos programadores mas em grande medida do orçamento disponível, quase sempre com uma forte adesão do público. No ano 2000, com o programador Miguel Lobo Antunes e organização de René Martin, foi posta de pé a primeira Festa da Música, com Bach como tema. "Foi uma experiência inexplicável", recorda Maria Pinto Basto, que ainda se ri da inexistência de telemóveis e a súbita mudança dos nomes das salas, que causou grande confusão. O público compareceu em enorme quantidade e com um entusiasmo inédito. Em 2007, a administração presidida por António Mega Ferreira optou por substituir esta iniciativa por uma outra da inteira responsabilidade do CCB, com a designação de Dias da Música. Foi neste mesmo mandato que, por decisão vinda do governo de então, o Centro de Exposições passou a estar ocupado pela Fundação Coleção Berardo, situação que ainda se mantém.

Elísio Summavielle, o atual presidente, fala de uma diferença introduzida no acordo para os próximos sete anos com a Fundação Berardo: esta passa a ter receitas próprias, além da subvenção estatal, porque as entradas são pagas. Esta receita permitiria "uma programação mais ambiciosa". E esclarece: "A Coleção Berardo é fundamental para quem queira ver o que foi a arte nos últimos 50 anos, mas é necessário que tenha uma programação mais internacionalizada." Assim, pensa que é possível fazer regressar a Belém "algumas exposições do circuito mundial, pelo menos uma iniciativa por ano". Reconhecendo que a Coleção Berardo tem "toda a autonomia de decisão na sua programação", comenta que existe no público" uma nostalgia de grandes exposições passarem por Lisboa.

Depois de ter passado pelo economato, pelas Relações Públicas, Maria Pinto Basto coordena as atividades de Literatura e Pensamento, com destaque para os temas históricos. Estão na sua alçada a Biblioteca e respetiva Sala de Leitura, com 30 mil volumes e que conta com a colaboração de dez voluntários. Não chegou a mudar de vida para estudar Direito, como pensou em tempos, mas sente-se bem naquele ambiente de família que caracteriza a equipa do CCB.

De outro ponto de vista, Manuel Salgado diz: "Sinto-me bem no CCB e acho que está a envelhecer muito bem. Não é uma obra datada."

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