Cavalo lusitano ao ritmo do samba

Um grupo de 18 criadores acredita que a pureza do cavalo lusitano está em risco, devido ao 'Stud Book' brasileiro permitir cruzamentos, e pediu ao Ministério da Agricultura que assuma controlo da raça
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Portugal está em risco de perder as rédeas do cavalo puro-sangue lusitano. A criação de cavalos lusitanos no Brasil subiu de forma tão galopante que em breve este país igualará os números portugueses e quererá discutir a liderança da raça. Tal como acontece com a língua portuguesa, no polémico Acordo Ortográfico, o facto de Portugal ser o berço da raça pode não lhe garantir a propriedade no futuro.

Aparentemente há um consenso, mas em 2003 a Associação Brasileira do Cavalo Puro-Sangue Lusitano (ABSL) criou mesmo um Stud Book (padrão oficial) próprio nas costas dos responsáveis pelo controlo da raça que são as organizações portuguesas Fundação Alter Real (FAR) e a Associação Portuguesa de Criadores de Puro-Sangue Lusitano (APSL).

"A pureza da raça está em causa porque desde 2003 que o Brasil quer fazer os cavalos à sua maneira sem respeitar as regras portuguesas." A acusação é feita por Domingos Figueiredo, que, juntamente com outros 17 criadores de cavalos lusitanos, fez um apelo ao Ministério da Agricultura para assumir o controlo da raça.

O criador disse ao DN que considera "lamentável" que a APSL, "que devia ser a guardiã da raça, não tenha visto que o Stud Book brasileiro violava os protocolos". Domingos Figueiredo adverte que "os criadores brasileiros estão a fazer cruzamentos com cavalos que não são lusitanos, pondo em causa a raça". Aliás. o Stud Book criado no outro lado do Atlântico permite--o, uma vez que prevê "a promoção da pureza e selecção genéticas do lusitano e seus cruzamentos". Porém, "em nome da preservação da raça, o Livro de Nascimentos dos lusitanos só pode ter cavalos de raça pura e não qualquer cavalo cruzado português".

A guerra entre Domingos Figueiredo e as organizações portuguesas já dura há anos, e aquele acusa a APSL e a FAR de serem cúmplices dos brasileiros na "cunhagem de uma moeda falsa". Porém, os directores da APSL têm dito publicamente que esta não passa de uma teoria conspirativa de Domingos Figueiredo, que, após ter falhado eleitoralmente a liderança da APSL, tenta agora desestabilizar a direcção. Algo que o criador rejeita.

As acusações de Domingos Figueiredo vão mesmo mais longe, denunciando estes "interesses económicos". "Os juízes portugueses fecham os olhos e aprovam cavalos que não são puros por uma questão de negócio. Há directores das APSL e da FAR que são sócios em coudelarias brasileiras", acusa.

Recentemente, o presidente da FAR, Vítor Barros, garantiu "que não há um Stud Book brasileiro, nem sequer português, mas sim um para todo o mundo". Quanto às diferenças transatlânticas, Vítor Barros disse que existem apenas "diversas secções do Stud Book" nos países com mais expressão. O dirigente da FAR assumiu também que o Brasil está a ganhar força, "precisando cada vez menos de Portugal", e que "dentro de pouco tempo pode igualar o número nacional, podendo obviamente querer disputar a liderança da raça".

Porém, hoje ainda se verifica uma hegemonia lusa, uma vez que têm de ser os juízes portugueses a classificar e a verificar a pureza dos animais. Aqui, Domingos Figueiredo volta a denunciar um conluio entre os dirigentes brasileiros e os portugueses. Além de acusar as direcções da APSL e da FAR de continuarem "impávidas e serenas" perante a "falsidade" dos cavalos criados no Brasil, o criador adverte que os juízes portugueses, nomeados por estas mesmas organizações, estão a participar "num processo de contrafacção".

Segundo Domingos Figueiredo, a "distracção" da APSL levou a que a raça só fosse registada em Portugal em 2007, "quando entidades de outros países como o Brasil, os Estados Unidos e a Bélgica já o tinham feito". Desconfiado, o criador pediu na assembleia geral da APSL um inquérito aos "juízes suspeitos" que classificaram cavalos no Brasil, alargando recentemente esse pedido de inquérito às direcções da FAR e da APSL.

Os dirigentes da APSL preparam-se para responder na mesma moeda e, segundo Domingos Figueiredo, "querem pôr um processo disciplinar aos criadores que fizeram o pedido ao Ministério da Agricultura. Esses criminosos estão-nos a atacar a nós, os verdadeiros guardiões da raça".

Enquanto em Portugal os criadores não se entendem, o Brasil vai-se afirmando na criação do cavalo puro-sangue lusitano, numa escalada que começou nas décadas de 80 e 90, quando foram importados números consideráveis de lusitanos. Na afirmação da raça, um dos aspectos a ter em conta é o número de animais em produção, e aí o Brasil cresceu consideravelmente. Isto porque em todo o mundo estima-se que haja 4000 éguas em produção, e pelo menos 1000 dessas estão no Brasil. E a tendência é para crescer.

Portugal pode perder o controlo da raça, e a constituição do Stud Book terá sido o primeiro aviso dos criadores brasileiros. Na blogosfera há mesmo quem diga que a constituição deste "livro" em 2003 foi o "grito do Ipiranga" da criação do puro-sangue lusitano. Em poucos anos, haverá mais cavalos lusitanos perto do samba brasileiro do que a galopar ao som de um pasodoble nas praças portuguesas.

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