Os partidos independentistas da Catalunha comprometeram-se a não fazer um acordo com os socialistas (PSC) para formar governo. Vão ter uma nova coligação entre o Junts per Catalunya (JxCat) e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) mesmo com os problemas internos que existem entre ambas as formações? Sou partidário dos governos de coligação. Juntam-se várias ideias, mas ao mesmo tempo há diferenças, mas não quer dizer que haja divisão. Os problemas entre a ERC e o JxCat são os mesmos que existem em qualquer outro governo de coligação. Este tipo de governo deve ter uma coerência e deve haver pactos. A proposta da ERC é fazer um governo com os partidos que apoiam a amnistia e a autodeterminação, e o PSC não partilha destas ideias. A ERC muitas vezes esteve sozinha para dialogar e negociar, mas sabemos que o diálogo é a solução. Os projetos da ERC e do PSC, em muitas coisas, são opostos, mas isso não impede de falar e negociar. No entanto, não vamos governar juntos, isso não vai acontecer..Mas a ERC chega a acordos com o governo central. E não é incompatível com o que estamos a dizer. Dialogar sempre, com todos, não estamos a deixar de fora o PSC. Mas não vai haver nem de forma ativa nem passiva um apoio aos socialistas porque não aceitam nem a amnistia nem a autodeterminação. A ERC não mudou de posição nunca. Sempre defendemos que a melhor solução era uma negociação. Agora assumimos que tudo o que foi feito era necessário para que muita gente percebesse onde estávamos. Não foi suficiente. Queremos chegar a uma mesa política de negociação..E se o PSC for o partido mais votado? Vão deixá-lo governar, com a abstenção da ERC? Não, porque queremos a presidência da Generalitat e Salvador Illa não está disposto a apoiar-nos. Levámos muito tempo a demonstrar que é necessário um governo liderado por nós para fazer políticas de esquerda e republicanas. Os catalães percebem cada vez melhor o projeto da ERC. Houve uma aprendizagem com tudo o que aconteceu. Se fazes sempre as coisas do mesmo modo, na mesma situação, o resultado é o mesmo. Por isso sabemos que é preciso mudar a maneira de fazer as coisas. A via da negociação deve ser prioritária tendo como objetivo realizar o referendo [à independência]. Tudo isto não é incompatível com o diálogo com partidos que não estão no governo. É fazer política. Aliás, com os socialistas houve algum canal de negociação. Agora pelo menos há uma mesa de negociação, mas faz falta dar-lhe sentido e conteúdo. Também digo que a ERC nunca vai aceitar ser presidente da Generalitat com o apoio do Vox. Esta extrema-direita, como existe noutros países, quando tem poder dedica-se a perseguir as pessoas, a limitar as suas liberdades. Com esta gente não se pode falar nem negociar..Sente que o Procés fracassou? Não se pode falar de fracasso quando conseguimos aguentar a repressão num ambiente adverso. Estamos há três anos na prisão, com toda a justiça a combater a vontade política da sociedade catalã, um exército que se intromete... Aguentar neste ambiente é louvável. Sempre dissemos que não seria um processo rápido, nem simples, nem indolor, mas é irreversível. Ninguém que seja republicano ou independentistas deixou de sê-lo, mas alguns gostavam que tudo fosse mais rápido. Escolhemos este caminho porque é o definitivo, mas não o mais fácil..Ao ver o assalto ao Capitólio, em Washington, recordou o que aconteceu no Parlamento catalão em 2018? Penso que não há semelhança nenhuma entre as duas situações. O processo político que lideramos é a antíteses do trumpismo, que está baseado numa conceção nacionalista, exclusiva, racista, sexista, homofóbica... o contrário do que fazemos na Catalunha. Só se pode comparar a manipulação política e jurídica de Trump com o que estão a fazer alguns poderes políticos de Espanha. Na Catalunha, levamos anos de mobilização pacífica. E é importante lembrar que o republicanismo é a melhor vacina contra o fascismo, que tem muitas caras..Depois de passar três anos na prisão, sente algum tipo de arrependimento pelo que aconteceu ou pensa que as coisas deviam ter sido feitas de outra forma, tendo em conta as advertências do Tribunal Constitucional? Arrependimento nenhum. Sempre dissemos que é um processo pacífico, não violento, cidadão... E sempre pedimos uma solução política. Estamos disponíveis para negociar, para dialogar. Sabemos que há posturas distintas e devemos chegar a um acordo. Se ainda não chegámos a ele foi pelo comportamento unilateral do Estado que nega a opinião de mais de metade da Catalunha. Cerca de 80% da população catalã está a favor de uma solução política. Defendemos que dentro da Constituição se pode falar do direito à autodeterminação..Esperavam receber mais apoio por parte da União Europeia? A União Europeia é um clube de Estados e eu nunca esperei o apoio deles. Mas tinha a obrigação de assumir que esta era uma questão europeia. Para quem é europeísta, é preocupante a vulnerabilidade dos direitos das pessoas. A partir dos acontecimentos de 1 de outubro as pessoas começam a conhecer o problema; com o julgamento, começa-se a entender o que se passa. E ainda não estamos na fase do reconhecimento porque ainda se pensa que este movimento vai parar. Da nossa parte, devemos explicar mais e melhor..O que vai oferecer a ERC aos catalães na próxima legislatura, além do vosso compromisso com a independência? A ERC teve de gerir durante esta pandemia três âmbitos muito importantes: saúde, ensino e economia. Se alguém está consciente das emergências que se vivem neste país é a ERC. Sabemos das necessidades e urgências. Se durante estes últimos meses não conseguimos fazer muitas coisas necessárias foi porque tivemos um Estado central contra nós e não tivemos as ferramentas necessárias. A fratura foi criada por aqueles que nos perseguem, não há fratura entre os republicanos. A ERC está a construir um projeto independentista para a sociedade catalã e queremos que seja ela quem, com o seu voto, decida se deve seguir para a frente ou não..Correspondente em Madrid