"Um caso como o que sucedeu com o Boeing 737 ucraniano no Irão acaba por ser relativamente fácil de investigar", diz ao DN um perito em investigação de desastres aéreos. "Em primeiro lugar porque estava tudo bem com o avião - não havia comunicações da tripulação em contrário e as máquinas a bordo, que estão sempre a dar informação sobre a localização e o funcionamento da aeronave, também não deram qualquer indicação de anomalia. E de repente o avião desaparece. Tem de haver uma causa exterior à aviação a explicar isso.".Por outro lado, prossegue este engenheiro aeronáutico, "uma explosão no ar devido a um míssil ou a uma detonação de uma bomba deixa marcas claras na aeronave, ou seja, nos destroços, e nos corpos das vítimas"..Foi o caso, por exemplo, do voo da Malaysia Airlines abatido sobre a Ucrânia a 17 de julho de 2014, matando 298 pessoas (283 passageiros e 15 tripulantes)..O abate deste avião, recorde-se, ocorreu numa área controlada por rebeldes pró-russos. A investigação, liderada pelas autoridades de investigação de acidentes aéreos holandesas (a maioria dos passageiros, 193, eram provenientes dos Países Baixos; a segunda nacionalidade mais numerosa era a malaia), concluiu que o aparelho tinha sido atingido por um míssil terra-ar transportado naquele mesmo dia para aquela zona vindo da Rússia, e que quem o disparou regressou à Rússia após derrubar o avião. Os destroços espalharam-se numa área de 50 quilómetros quadrados..A 19 de junho de 2019, o Ministério Público holandês acusou quatro pessoas do abate do avião: três russos e um ucraniano. Mandados de captura internacionais foram exarados e o seu julgamento à revelia - nenhum deles foi entregue às autoridades holandesas - está agendado para 9 de março de 2020, em Haia. A proposta holandesa de criação de um tribunal internacional, feita em 2015, e levada pela Malásia a votação no Conselho de Segurança da ONU foi vetada pela Rússia..As Forças Armadas do Irão, em contraste, já admitiram a responsabilidade, pelo que resta agora perceber se vai haver oportunidade para um julgamento internacional e como se processarão os expectáveis pedidos de compensações..Investigações levam a alteração de normas.Estas investigações a acidentes, como os no Irão e na Ucrânia, porém, terão poucas consequências no sentido do reforço da segurança, já que nada nos procedimentos aeronáuticos pode evitar que um míssil atinja um avião - a não ser a recomendação de que as rotas comerciais evitem determinadas áreas, como sucedeu desde logo a seguir a estes dois casos..Da mesma forma, o até hoje misterioso desaparecimento do Boeing 777-200ER da Malaysia Airlines, com os seus 227 passageiros e 12 tripulantes, a 8 de março de 2014, algures no oceano Índico, não terá trazido alterações às normas de segurança..Até ao momento em que todos os sistemas de comunicação do avião se desligaram, 39 minutos após partir de Kuala Lumpur, não havia qualquer reporte de anomalia; o avião terá, de acordo com o registo de satélites, voado por várias horas até, por esgotar o combustível, se despenhar no mar..Este caso, por não se ter determinado o local da queda do avião e por esta ter ocorrido no oceano, nunca tendo sido possível encontrar a respetivas "caixas negras" (que são na verdade cor de laranja, para mais fácil deteção, e das quais existem dois tipos: os gravadores de voz do cockpit e os de registo de todos os parâmetros de voo - altitude, velocidade, etc. -, que, fabricadas em material "praticamente indestrutível", permitem quando recuperadas reconstituir os acontecimentos), demonstra que nem tudo se consegue investigar.."Há muitas teorias sobre o que sucedeu", diz o perito ouvido pelo DN. "Mas com as máquinas a ficar cada vez mais perfeitas e com o sistema de informação automatizado que existe, sabendo-se que até o avião desaparecer parecia estar tudo bem, a possibilidade mais provável é de que tenha havido uma causa humana.".Mas outras situações resultam em grandes alterações de normas. Um caso paradigmático e também de índole criminosa é o do 11 de Setembro: houve a seguir a estes ataques terroristas um sem-número de alterações quer nos procedimentos de segurança a que os passageiros são submetidos e o tipo de objetos interditos quer na própria estrutura dos aviões. As portas dos cockpits foram reforçadas, de modo a serem à prova de bala e a impedirem a entrada de assaltantes, e alguns aviões passaram a ter câmaras para que os pilotos possam monitorizar o que se passa nas áreas dos passageiros..Anteriormente, em voos internos nos EUA não havia um controlo estrito de identidade dos passageiros e em alguns países europeus não existiam sequer revistas de segurança sistemáticas de passageiros e bagagem em voos internos. Tudo isso mudou, havendo aeroportos em que existem scanners para examinar o corpo dos passageiros..Uma destas medidas de segurança pós-11 de Setembro, porém, viria a ser responsabilizada por um desastre aéreo - o do avião 9524 da low-cost Germanwings pertencente à Lufthansa..A 24 de março de 2015, este Airbus A-320-211 caiu nos Alpes Franceses quando voava de Barcelona para Dusseldorf, matando 150 pessoas - 144 passageiros e seis tripulantes. A investigação, particularmente difícil devido ao local onde o aparelho se despenhou, concluiu que o copiloto, Andreas Lubitz, aproveitou um momento em que o piloto saiu do cockpit, fechou a respetiva porta e fez o avião despenhar-se. O facto de o cockpit só poder ser aberto por dentro e de a porta ser praticamente inexpugnável impediu a tripulação de salvar o aparelho..Vir-se-ia a descobrir que Lubitz fora diagnosticado como não apto para trabalhar e com tendências suicidas, mas que este escondera o facto da companhia.."Passou a haver uma avaliação psicológica dos tripulantes mais completa e rigorosa", explica ao DN o citado perito, "e foram exaradas recomendações para que haja sempre duas pessoas autorizadas no cockpit e não fique só uma pessoa no cockpit. Por exemplo se um piloto sai para ir à casa de banho, tem de entrar um membro da tripulação e ficar alguém, "de guarda," cá fora, na zona da entrada do cockpit e da casa de banho, para certificar que o piloto não é atacado..Uma alteração em estudo é, ainda segundo este perito, a de permitir à tripulação fechar os compartimentos de bagagem em caso de acidente. Isto porque no acidente ocorrido com o voo SU-1492 da Aeroflot a 5 de maio de 2019, que se incendiou durante uma aterragem de urgência, causando a morte de 40 dos 73 passageiros e de um membro da tripulação, vídeos feitos dentro do aparelho em chamas pelos sobreviventes e postados nas redes sociais mostram passageiros a retirar as bagagens em vez de saírem logo do avião.."É muito fácil criar um sistema automático que feche os compartimentos de bagagem em caso de emergência, mas a medida ainda não foi tomada porque pode não ser plenamente eficaz. As pessoas podem tentar na mesma abrir os compartimentos e perder-se na mesma tempo e vidas", comenta o perito entrevistado pelo DN..Crime e aeronáutica: investigações paralelas.De acordo com a lei portuguesa, a investigação de acidentes aéreos decorre em paralelo com a investigação criminal e depende de um corpo especializado de peritos, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) da Autoridade Nacional de Aviação Civil..Estas investigações seguem protocolos e normas internacionais que em Portugal estão vertidos em legislação com 21 anos - decreto-lei nº 318/99, de 11 de agosto...De acordo com essas normas, o local do acidente deve ser logo "selado" pelas autoridades policiais - só sendo admitidos os elementos necessários para salvamento e combate a incêndios - e enviada para o local uma equipa do GPIAA liderada por um investigador, que deve requisitar de seguida os peritos necessários para o caso específico. Estes podem ser nacionais ou estrangeiros, sendo comum a colaboração de agências aeronáuticas de outros países, assim como do operador aéreo envolvido e dos fabricantes do avião, motores, etc..Esta equipa deve organizar a recolha de todos os destroços, com o mínimo de pessoas a ser admitidas na zona onde estes se encontrem, já que pode haver destruição de evidências vitais: marcas no terreno, alteração de posição de equipamentos ou interruptores e controlos em relação à sua posição original - o que pode falsear as conclusões. Sendo essencial o local onde quer destroços quer pessoas (vivas ou mortas) sejam, encontradas, este deve ser anotado e os cadáveres devem ser deixados, até exame pelos peritos, no sítio onde estão a não ser que haja possibilidade de perturbação do público ou de pessoas próximas. Caso haja condições meteorológicas adversas, deve ser providenciada uma cobertura para destroços vitais como o cockpit - e tudo deve ser fotografado e filmado..Depois de toda a área examinada e as localizações anotadas, é comum que todos os destroços sejam depois transportados para um mesmo local, onde poderá ocorrer uma "reconstrução" do avião, como se de um puzzle se tratasse..A investigação pode implicar muitos meses de trabalho meticuloso e incluindo também, naturalmente, entrevistas com sobreviventes e testemunhas, além de toda a recolha de material forense, de autópsias a análises de droga e álcool em tripulantes..De acordo com as normas internacionais, passados 30 dias sobre o acidente a equipa de investigação deve apresentar um relatório preliminar à Organização Internacional da Aviação Civil, o agência da ONU que superintende a aviação comercial. O relatório final deve ficar pronto ao fim de um ano.