Casa em favela de Belo Horizonte ganha prémio internacional de arquitetura

Site especializado Arch Daily considerou a casa do artista Kdu dos Anjos como a "Casa do Ano". Toda a construção demorou oito meses e custou cerca de 27 mil euros.
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À primeira vista, parece uma casa humilde como tantas outras nas favelas do Brasil. Mas este "barraco" de 66 m² com tijolos aparentes foi reconhecido esta semana como a "Casa do Ano" num prémio internacional de arquitetura.

Premiada pelo site especializado Arch Daily, a casa pertence a Kdu dos Anjos, um artista de 32 anos que vive na populosa comunidade de Aglomerado da Serra, situada num morro na região centro-sul de Belo Horizonte.

"O projeto da casa representa um 'modelo' construtivo que utiliza materiais próprios da periferia, com uma implantação adequada e atenção à iluminação e ventilação, resultando em um espaço com grande qualidade ambiental", descreve o Arch Daily no seu site.

Para Kdu dos Anjos, fundador de um centro cultural na mesma comunidade, o prémio tem um significado especial.

"Sinto muito orgulho da minha casa ter ganhado esse prémio porque as notícias que toda a mídia global costuma dar sobre a periferia são noticias sensacionalistas, fala de tiro, porrada e bomba, polícia, de barraco caindo. Aqui estamos mostrando o contrário, é um barraco subindo para o topo do mundo", comemora o jovem.

Entre as suas muitas tatuagens, há uma que se destaca, feita recentemente no seu antebraço: o desenho do seu humilde "barraco", que superou na disputa construções muito mais imponentes de Índia, México, Vietname e Alemanha.

A construção tem dois andares, é bem ventilada e tem bastante iluminação natural, com janelas de batentes horizontais e uma grande varanda, construída num terreno que ele comprou em 2017.

"Tenho certeza que minha casa não é a casa mais chique do mundo. Mas é um barraco de periferia bem construído", insiste Kdu, que vive ali desde 2020 com dois cães, uma gata e "mais de 60 plantas".

Os arquitetos fizeram magia, "porque o espaço é muito pequeno, são 66 metros quadrados, mas aqui a gente já suportou umas 200 pessoas em dias de festas", garante.

O projeto foi elaborado pelo coletivo de arquitetos Levante, que oferece os seus serviços de forma voluntária ou a preços módicos para projetos nas favelas.

"Essa casa foi concebida como uma casa que se parece muito com as casas da favela [...] no entanto ela é diferente, ela tem uma série de cuidados, de soluções, desde a segurança passando por questões ambientais, de ventilação, de iluminação naturais", explica o arquiteto Fernando Maculan, responsável pelo projeto.

Uma das diferenças em relação às casas à volta é a disposição dos tijolos. Em vez de colocá-los de pé, aproveitando seu lado de maior superfície para economizar material, eles estão deitados, em fileiras intercaladas, o que lhe dá maior solidez e isolamento.

A construção demorou oito meses e muito trabalho.

Os pedreiros "ficavam putos, porque como o tijolo é deitado, gastavam muito tempo". Além disso, "para chegar o material, foi uma grande dificuldade. Estamos num beco de vários degraus, é a ultima casa do beco. Tive que gastar muita grana com essa mão-de-obra de carregador", relata Kdu, ao se referir às ruas estreitas da favela, por onde não circulam veículos pesados.

Toda a obra custou 150 mil reais (quase 27 200 euros ao câmbio atual). E o investimento rendeu frutos: além da fama internacional trazida pelo prémio, a casa ajudou Kdu a realizar um sonho de infância.

Quando era criança, o jovem vivia numa residência "precária", desenhada pelo seu pai, na qual havia "bastante escorpião".

"Ter sido picado por escorpião por falta de arquitetura e agora ganhar um prémio de arquitetura é um desejo de mudança de vida muito grande que conquistei", conclui Kdu dos Anjos.

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