Um Congresso da maior força parlamentar do Brasil já seria um tema político relevante em si mesmo mas o sétimo encontro nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) em 39 anos de história marca a atualidade, sobretudo, por ter a presença de Lula da Silva. Depois de 580 dias preso e cerca de três semanas em périplo pelo nordeste, o líder histórico da esquerda brasileira falará nesta sexta-feira pela primeira vez para os eleitores em geral e não apenas para a militância, na Casa de Portugal, em São Paulo, o tradicional ponto de encontro dos "petistas".."Acho que o grande pronunciamento que Lula vai fazer e vai ser pensado, preparado por ele, será no encontro do PT", disse Humberto Costa, líder parlamentar do PT no Senado, no Recife, durante uma das paragens do antigo presidente pelo nordeste. "Lula deve dirigir-se à população brasileira e não somente fazer um balanço da conjuntura e do governo Bolsonaro mas também para apresentar uma proposta, um projeto para o Brasil. Não acredito que Lula venha para incendiar o país, ele vem para consolidar, fortalecer uma resistência a esse projeto de Bolsonaro que, esse sim, se continuar vai destruir o Brasil", afirmou o senador, no jornal Folha de Pernambuco..Logo à saída da prisão, em Curitiba, e nos dias seguintes, em São Bernardo do Campo, onde começou a carreira sindical e política, e nas capitais nordestinas, o discurso de Lula foi sobretudo agressivo "para agitar as massas" e "soltar o grito engasgado na garganta", de acordo com deputados do partido.."Minha gente, ouvi falar em impeachment mas o cidadão [Jair Bolsonaro] foi eleito e tem quatro anos para governar, agora ele tem de governar para o povo brasileiro e não para os milicianos", disse em Curitiba. No dia seguinte, em São Bernardo do Campo, duvidou que "[o juiz Sergio] Moro durma tranquilo" e que "o destruidor de empregos [ministro da Economia Paulo] Guedes durma tranquilo". "Bolsonaro? Não vou dizer palavrão sobre ele, fui educado a não dizer palavrão, ele é o próprio palavrão.".Além do discurso mais institucional de Lula, outro dos pontos altos do Congresso será a reeleição de Gleisi Hoffmann como presidente do partido. Em carta ao partido ela considera que "o PT já escreveu o seu nome na história como protagonista de um dos mais importantes processos de transformação do Brasil, mesmo não tendo completado ainda 40 anos". "Lula é o outro nome do PT e tornou-se o outro nome de um Brasil melhor e mais justo, um país soberano, que o seu governo mostrou ser possível, contra tudo o que nos tentaram impor como verdades imutáveis", continuou..Outras presenças aguardadas na reunião, entretanto, são a de Fernando Haddad, candidato presidencial na última eleição, no lugar de Lula, na altura detido, e de José Dirceu, braço direito político do antigo presidente durante o seu primeiro governo e solto também após a decisão do Supremo Tribunal Federal de não aceitar prisões logo após a sentença em segunda instância..As nove teses que serão debatidas no encontro do partido tratam de temas como defesa da democracia, dos trabalhadores brasileiros e da pluralidade, o movimento Lula Livre e o enfrentamento aos retrocessos..O Congresso chegou a estar marcado para a Praça da República, também em São Paulo, para poder receber militantes e não apenas delegados e convidados mas a previsão de chuva fez a reunião ser transferida novamente para a sede da Casa de Portugal da cidade, uma tradição antiga do partido. Apesar de, em entrevista ao DN antes das últimas eleições, o seu presidente afirmar que a maioria dos seus membros é eleitora de Bolsonaro. ."O PT foi com sede demais ao pote e o Brasil só não faliu porque não é a Venezuela. Há 150 estatais, devia haver umas três ou quatro, quando o Fernando Henrique Cardoso, o maior presidente que este país já teve, privatizou a Vale, a segunda maior empresa pública, depois da Petrobras, o PT foi contra, hoje a Vale está uma maravilha", dizia António dos Ramos, o líder da instituição fundada em 1935.."Por outro lado, embora ele diga às vezes algumas coisas que confundem, não é verdade que o Bolsonaro seja de ultradireita ou fascista, por isso, pode escrever aí que uns 90% dos portugueses de São Paulo votam nele", acrescentava..A Aliança.Jair Bolsonaro foi escolhido, entretanto, o presidente do partido, ainda não criado, Aliança pelo Brasil (APB), na primeira convenção da organização na tarde de quinta-feira. Entre os outros membros da comissão executiva nacional está o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro. Ambos se desvincularam ao longo da semana do PSL em rota de colisão com o presidente Luciano Bívar e parte do grupo parlamentar do partido..No discurso de lançamento, Bolsonaro citou Deus e trechos da Bíblia. "Aliás, agradeço a Deus, que me deu uma segunda vida", afirmou, em alusão à facada de que foi alvo um mês antes da campanha. Citou o atentado de Marielle Franco, sublinhando que está a ser injustamente associado ao caso, e terminou entregando, "simbolicamente", uma aliança à primeira-dama Michelle Bolsonaro..O partido estabeleceu como pilares "o respeito a Deus, o combate à ideologia de género e a defesa da vida"..Na convenção, transmitida ao vivo na internet, ficou decidido que será proibida a filiação ao partido de pessoas condenadas em segunda instância - a situação jurídica de Lula. "Pessoas condenadas em segundo grau de jurisdição para crimes hediondos, crimes equiparados a hediondos, violência contra a mulher, estelionato, corrupção em qualquer de suas formas e crimes de lavagem de dinheiro estão proibidos", detalhou o advogado Admar Gonzaga, responsável pela estratégia jurídica do partido em formação..A APB, por outro lado, corre o risco de não poder participar nas municipais de 2020, um dos seus objetivos. Um dos requisitos necessários - número elevado de assinaturas reconhecidas em notário espalhadas por pelo menos um terço dos estados do país - demora tempo a obter e qualquer força política que quiser concorrer a esse sufrágio deve estar formada até março. A alternativa é o Tribunal Superior Eleitoral aceitar assinaturas eletrónicas, o que ainda está em análise.."Se for possível a assinatura eletrónica formamos um partido até março, caso contrário, não há disputas municipais no ano que vem, estou fora", admitiu o próprio Bolsonaro.