Cartões amarelos no Pátio dos Bichos

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O peso institucional dos discursos de 5 de Outubro desfez-se no Pátio dos Bichos, quando o Presidente da República, na envolvente do seu espaço habitual falou, informalmente, aos jornalistas.

Marcelo tinha sido cauteloso no palanque da Câmara Municipal de Lisboa e a dimensão histórica das suas palavras deixava antever alguns recados sibilinos ao Governo que António Costa procurou, de imediato, envolver na sua habitual retórica política. O presidente falou de política, António Costa respondeu com economia.

Ao trazer à atualidade os acontecimentos vividos cem anos atrás, em 1921/22, numa comparação aos dias de hoje, Marcelo deixou-nos com um sorriso nos lábios quando nos apercebemos o que ganhámos. Pois hoje, felizmente, não se matam primeiros-ministros como então aconteceu, disse o Presidente no Pátio dos Bichos. Dissolve-se o Parlamento e demitem-se os primeiros-ministros. A democracia está, assim, de boa saúde, as instituições estão fortes, apesar de tudo temos uma Justiça lenta que lá vai funcionando aos solavancos, temos um SNS mal gerido, mas temos. Temos uma

Segurança Social que se verga perante a inflação, mas temos a proteção possível dos mais idosos. Não tínhamos nada disto em 1922. Pela ausência de alternativas tivemos depois violência política que culminou em ditadura.

Mas o problema não está tanto no que não tínhamos em 1922 e temos hoje, mas sim no que ainda não temos hoje no contexto das nações europeias desenvolvidas. Reparem bem nesta frase proferida por Marcelo no Pátio dos Bichos: "Quem é poder a todos os níveis, nacional, regional, local, e está a funcionar bem é uma coisa, se não sente que está a funcionar bem tem a hipótese de mudar, se não muda sabemos que há outras forças políticas que podem entrar em campo e mudar".

Pois é, fica feito o aviso e mostrados os cartões amarelos. E também clarificada a agenda para os próximos tempos. Tem de haver sucesso no combate à inflação como houve na pandemia. E tem de haver crescimento económico. Ah, e tem de haver melhor gestão do PRR, essa bazuca de cifrões que vai ser o grande instrumento da nossa futura vitalidade económica e que, afinal, está apenas executada nuns parcos 700 milhões de euros.

O 5 de Outubro deste ano foi marcado pelo apelo à mudança política. Fosse nas palavras de Carlos Moedas ou no discurso institucional de Marcelo, a mudança e as reformas bailaram na boca dos dois.

As recentes sondagens indicam que há um descontentamento com o governo e com a prestação de alguns ministros. Os recentes problemas surgidos com o ministro da Saúde e com a ministra da Coesão Territorial estão a desgastar o Executivo. No seio do governo surgem vozes avulsas como a do ministro António Costa Silva que defende uma baixa transversal do IRC para as empresas. Tem razão. É imensa a carga fiscal nas empresas e nas pessoas. A tudo isto o primeiro-ministro vai fazendo "orelhas moucas" desvalorizando os assuntos. Há no ar um sentimento de imobilismo e uma ideia de que o PS não está a aproveitar a maioria absoluta que o povo português lhe entregou. As sondagens mais recentes refletem isso.

A anunciada perda do poder de compra dos pensionistas nos anos que aí vêm e o efeito destrutivo da inflação poderão vir a deixar o governo em "maus lençóis", se não houver uma resposta eficaz e robusta à conjuntura política e financeira que estamos a viver. Ao comparar o sucesso do Executivo no combate à pandemia com os desafios que se colocam no combate à inflação, o Presidente da República está a colocar uma espada sobre a cabeça do Governo. Isso ficou bastante claro nas declarações que fez no Pátio dos Bichos. Marcelo quer com a inflação o mesmo sucesso que o Executivo teve com a pandemia.

Não sabemos se isto não é uma missão impossível, mas o desafio está feito. Com uma guerra no terreno, problemas energéticos de grande dimensão, uma inflação galopante, uma perca do poder de compra dos portugueses, não se antevê como vai o governo desafiar a quadratura do círculo e pôr o país a crescer? António Costa "jura a pés juntos" que não haverá recessão. Vamos ver!

Mas o aviso presidencial ficou feito no Pátio dos Bichos. Vejamos se vai ser levado a sério, ou se tudo não passará de mais um exercício de dom da palavra, sem consequências, tão habitual em Marcelo! O cartão vermelho pode vir a ser mostrado, futuramente, se o imobilismo continuar. Foi esse o recado que saiu do Pátio dos Bichos.

Jornalista

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