Como um anúncio do Lidl destapou o racismo na Irlanda

Na Irlanda, um casal inter-racial ficou chocado com os comentários à sua participação numa campanha publicitária: "Temi pela nossa segurança".
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Fiona Ryan, de 33 anos, o seu noivo, Jonathan Mathis, de 32, e o filho de ambos, de 22 meses, participaram numa campanha publicitária da cadeia de supermercados Lidl, com anúncios na televisão e outdoors. Os primeiros cartazes com a sua fotografia começaram a aparecer no início de setembro. A ideia era mostrar uma família comum de classe média a fazer as suas compras.

Não tardou a que nas redes sociais começassem a surgir comentários alegando que este casal não representa a população da Irlanda, a criticar as políticas de apoio aos imigrantes e a fazer outro tipo de comentários racistas. Depois de uma queixa do Lidl, alguns desses comentários foram retirados do Twitter por violarem as regras de conduta da rede social. Houve uma denúncia em particular contra Gemma O'Doherty, uma antiga jornalista associada à extrema direita, que viu a sua conta bloqueada.

Fiona Ryder conheceu Jonathan Matis há sete anos, em Londres, onde ambos trabalhavam: ela como atriz, ele na altura trabalhava na construção civil mas agora é personal trainer. Jonatham nasceu no Brasil mas cresceu em Liverpool e Cotswolds. Em 2018, o casal mudou-se para County Meath, na Irlanda, para a casa de Fiona, e aceitou participar na campanha do Lidl para poder ganhar algum dinheiro extra. Ficaram bastante surpreendidos com os comentários que surgiram: "Fiquei a tremer. Senti-me mal disposta", contou Fiona Ryder ao Irish Times. "Foi a primeira vez que senti o racismo pessoalmente."

Jonathan Mathis, por seu lado, explica que tem experienciado o racismo ao longo da sua vida e por isso não ficou tão chocado: "A minha reação inicial foi de raiva e mágoa. Mas não temi pela minha segurança, como a Fi." Ela sentia-se muito insegura e começou a guardar cópias de todos os comentários racistas. "Ler aquilo afetou-me muito, não tinha consciência que as pessoas olhavam para nós de forma tão negativa", contou. Entretanto, o casal tem evitado sair de casa, com medo de possíveis ataques. "Temi pela nossa segurança, e do nosso filho."

Fiona Ryder telefonou para a polícia, para fazer queixa do incidente, mas disseram-lhe que se tratava de um caso civil. "Parece que ainda não há um entendimento da polícia de quão sério isto é, ou como lidar com as pessoas vulneráveis que estão nestas situações", queixa-se.

O casal não se sente protegido e considera até deixar a Irlanda, uma vez que a legislação contra crimes de ódio na Irlanda tem já 30 anos e não existe qualquer regulamentação para as redes sociais.

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