Carta aberta

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Depois de muita ponderação e análise, na semana em que completo 19 anos efetivos de serviço na PSP, decidi como presidente do Sinapol escrever a presente carta, não para demonstrar coragem, pois já demonstrei várias vezes que coragem não me falta e medo "é algo que não me assiste" - principalmente quando estão em causa os direitos dos polícias -, nem tão-pouco para afrontar quem quer que seja, mas e tão-só para que esta carta e o seu conteúdo possam servir de reflexão e alerta de forma a evitar o que só posso descrever como uma verdadeira hecatombe da classe policial, com consequências impossíveis de prever.

Nunca me esquecerei da última vez em que foi levado ao limite tal esvaziamento dos direitos da classe policial, muito à semelhança do que agora está novamente a repetir-se, até porque foi também um período marcante na minha vida, pois fui abusivamente suspenso por seis meses, bem como tudo foi feito pelo então diretor Nacional da PSP, Oliveira Pereira, para me demitir da PSP, em concreto, refiro-me ao dia 7 de setembro de 2010, data assembleia geral do Sinapol, que apresentou o polémico e histórico primeiro pré-aviso de greve da Polícia de Segurança Pública.

A realidade é que, com cortes de direitos de saúde, com sobretaxas, com o aumento do horário de trabalho, com a insistente falta de reconhecimento dos direitos laborais aos profissionais da PSP e da sua especificidade, bem como a notícia de reduções até 10% nos salários, arrisco-me a dizer que o fantasma de uma efetiva e forte reação dos polícias estará para breve, só resta saber qual e quando, sendo certo que os polícias começam a cansar-se de manifestações, até porque delas não tem saído quaisquer resultados, logo outra forma de luta terá de ser equacionada.

Não, não estou a ameaçar com outro pré-aviso de greve, mas estou a alertar a sociedade em geral e a classe política em particular para os riscos que tal despeite à classe policial pode provocar e as consequências que daí podem advir.

Mas ao mesmo tempo tenho de ter a frontalidade como presidente de um dos sindicatos mais representativos e inequivocamente mais ativos na defesa dos direitos dos profissionais da PSP de não descartar no futuro o uso do direito de greve como forma de luta legítima para combater a monstruosidade de ataques que vêm ao longo dos últimos anos devorando os direitos dos polícias.

E digo isto com reforçada convicção, devido à recente decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa, tida sobre a ação interposta pelo Sinapol em 2011, com vista à reivindicação do direito de greve na PSP, sobre a qual o tribunal em epígrafe proferiu um acórdão que só posso classificar de "nim", ou seja, deu razão à lei que efetivamente reconhece o direito à greve aos polícias que prestam segurança pública, mas depois absurdamente diz que, caso a PSP fosse a única polícia em Portugal integrada na Lei 12-A que prestasse tal serviço, efetivamente teria o direito de greve, para depois dizer que não é o caso, pois (segundo o acórdão???) a Polícia Judiciária (PJ) e o Corpo de Guardas Prisionais (CGP) também fazem segurança pública e, assim sendo, é apenas para eles que o direito de greve está previsto.

Obviamente, só posso classificar isto como uma desculpa para não se reconhecer imediatamente o direito de greve na PSP, até porque todos sabemos que a PJ não faz segurança pública, é exclusivamente uma polícia de investigação criminal, e o CGP nem sequer é polícia e muito menos faz segurança pública, razão por que foi imediatamente interposto recurso pelo Sinapol ao tribunal superior e a expectativa de uma decisão favorável alimenta tal convicção, sendo certo que acredito que por parte de alguns juízes talvez exista alguma hesitação ou medo em reconhecer o direito de greve aos polícias, razão por que caso os tribunais portugueses continuem a argumentar decisões deste tipo se recorrerá ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Por isso, espero que todos os portugueses percebam que com tais políticas de ataque à classe policial, um dia os polícias vão demonstrar de uma forma mais robusta o seu descontentamento e que fiquem cientes de que isso apenas acontecerá porque lhes é completamente impossível aguentar mais ataques à sua classe.

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