Carta aberta ao Presidente da República para que impeça a extinção do SEF

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Senhor Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa

Excelência,

Se lhe dirijo esta carta aberta sobre a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - SEF, Senhor Presidente, é tão somente por me ser evidente -- enquanto inspetor, enquanto sindicalista e enquanto cidadão -- que Portugal ficará pior sem este serviço.

Pior, porque ficará com fronteiras menos seguras.

Pior, porque ficará sem um serviço especializado na investigação e no combate a redes criminosas transnacionais.

Pior porque ficará sem um órgão de polícia criminal especializado na proteção das vítimas do tráfico de seres humanos.

Este diagnóstico, senhor Presidente, não tem nada de corporativo: os inspetores têm a lei pelo seu lado e direitos adquiridos que os protegem em caso de extinção. Há alguns, como é o meu caso, que do ponto de vista material até beneficiariam com ela.

O nosso problema não é esse!

O nosso problema é o interesse de Portugal, dos portugueses e dos imigrantes que procuram o nosso país para melhorarem as suas vidas.

Senhor Presidente,

Os inspetores do SEF não são os únicos a saber que a extinção do SEF prejudicará o país e a forma como os imigrantes são tratados nas nossas fronteiras e no nosso mercado de trabalho.

Sabem disso também o PSD, o PCP e o CDS, partidos fundadores do regime democrático que saiu do 25 de Abril. Sabem disso novos partidos parlamentares democráticos, como a Iniciativa Liberal.

E, sobretudo, sabem disso todos -- sublinho: todos! -- os que percebem alguma coisa do nosso Sistema de Segurança Interna.

O Senhor Presidente não se interroga pelo facto de à Assembleia da República não ter chegado nenhum -- sublinho: nenhum! -- parecer técnico que aconselhe a extinção do SEF?

O Senhor Presidente não se interroga sobre as razões que levam a anterior secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda, a afirmar que "o SEF é um serviço absolutamente indispensável à segurança interna"?

O Senhor Presidente não se interroga sobre as razões que levaram anteriores ministros e secretários de Estado do próprio Partido Socialista a defenderem publicamente a preservação do SEF?

Que magistratura de influência é essa que não assinala a fratura que existe entre os que se movem pelo interesse nacional e que encontraram na extinção do SEF um expediente para ocultarem os seus próprios erros políticos?

Senhor Presidente,

Vossa Excelência, no dia 7 de novembro de 2021, promulgou o decreto do Parlamento de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, alegando que a extinção correspondia, "no essencial, ao cumprimento do previsto no Programa do Governo quanto à repartição das atribuições de natureza policial".

Com o devido respeito, Senhor Presidente, o que o Programa do Governo, e o Programa do PS às últimas eleições legislativas, previam "no essencial" não era isso: era a separação entre os assuntos de imigração e as funções policiais, uma vez que hoje é consensual para todos os democratas portugueses que imigração não é um caso de polícia.

Ou seja, criar a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo - APMA e tirar as questões de imigração da esfera policial, não significa destruir um serviço competente e eficaz, elogiado internacionalmente, para decepar as suas competências e retalhá-las pela GNR e pela PSP.

Não significa destruir o que funciona, que têm "know-how" e experiência, e entregá-lo a forças que, essas sim, têm problemas estruturais de xenofobia e de racismo.

No caso do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes, há membros dessas forças a cumprirem penas de prisão efetiva e preventiva por práticas de tortura e de milícia patronal de imigrantes.

Como o Senhor Presidente sabe tão bem ou melhor do que eu, esses casos na PSP e na GNR não são casos isolados -- nem se restringem ao Alentejo.

Senhor Presidente,

Vossa Excelência afirmou em 10 de dezembro de 2020 que, se o que aconteceu na morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa foi "um ato isolado, em que há determinados responsáveis eventualmente considerados como tal no fim do processo, é uma coisa. Se isto é uma forma de funcionamento do SEF é outra coisa -- e é muitíssimo mais grave".

Boas palavras!

Mas porque é que o Senhor Presidente não se manteve fiel a elas?

Porque é que não considerou no exercício das suas funções presidenciais a conclusão da investigação que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) fez sobre o modo real como os inspetores do SEF trabalham, e cumprem as suas missões, em todo o país e no estrangeiro?

Esse relatório -- apesar de ter sido realizado sob a pressão tremenda de um Governo que queria suporte factual para o seu expediente de extinguir o SEF para manter um ministro no Governo -- concluiu que não existe qualquer "problema transversal" de irregularidades no funcionamento do SEF.

E agora Senhor Presidente?

Vossa Excelência distinguiu entre "um caso isolado" e "um problema transversal".

O presidente da Assembleia da República recebeu uma ovação de pé quando afirmou que "não há atribuições coletivas de culpa em Portugal".

E mesmo assim extingue-se o SEF!?

Senhor Presidente,

Excelência.

Nesta carta aberta, não lhe peço outra coisa que não seja ser fiel às suas próprias palavras e que defenda o interesse nacional.

De si não espero outra coisa.

Aceite os protestos da mais alta consideração e a minha estima pessoal

Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF -- SCIF-SEF

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