(Continuação)..Meu caro Centro de Saúde,.Anunciam-se importantes reformas no nosso Serviço Nacional de Saúde..Contudo, que se note, ninguém fala de ti!.Nas reformas anunciadas, dois aspetos chamam particularmente a atenção..O primeiro, diz respeito à intenção de prosseguir e aprofundar os processos de contratualização baseados no desempenho das distintas unidades funcionais que "movem" o SNS..É uma boa notícia. Devemos trabalhar para um fim palpável, objetivável - melhores níveis de saúde na comunidade. Mas há ainda algum caminho a percorrer nesse sentido: os financiadores parecem mais disponíveis que outrora para seguir por esse caminho; a administração tem de investir seriamente na qualidade do processo de contratualização - inteligibilidade, validade, rigor, transparência, proximidade, avaliação (prestar contas), aprendizagem partilhada e ajustamentos contínuos - são de uma importância crítica; as organizações profissionais, que com inteira razão se têm mobilizado para fazer face a condições já inaceitáveis de trabalho e remuneração, sem prejuízo dos aumentos salariais indispensáveis que requerem, também precisam de evoluir significativamente da lógica monótona do "igual para todos", independentemente do desempenho de cada um. De tudo isto depende, em grande parte, a transformação e sustentabilidade do SNS..O segundo dos aspetos, proeminente nas reformas anunciadas, refere-se à reorganização do SNS baseado em Unidades Locais de Saúde (ULS)..Serão 39 ULS no país..Esta é obviamente uma solução controversa. Porque há juízos diversos sobre os conceitos em causa e sobre as experiências do passado. Mas, principalmente, porque, nunca até agora, se esclareceu, devidamente, o que serão as "ULS do futuro", a que os seus promotores se referem. A "maior reforma do SNS nos últimos 40 anos" não deve ser anunciada sem uma explicação documental mínima sobre aquilo que essencialmente a carateriza, mesmo aceitando que parte do caminho se faz caminhando. Nestas circunstâncias, é mais difícil conseguir o empenhamento de todos, as convergências necessárias para gerir, com sucesso, um processo complexo de mudança desta magnitude..O que é omisso no discurso atual, meu caro centro de saúde, é o teu papel no SNS do futuro..Das ULS, substituindo as 5 Administrações de Saúde Regionais, espera-se que tragam capacidade de decisão, em matéria de gestão dos recursos dos serviços de saúde, para mais próximo das pessoas..Mas não há que confundir um nível de administração efetiva mais descentralizada e periférica, com as dinâmicas de proteção/promoção de saúde verdadeiramente locais, próximas das pessoas e das suas circunstâncias..Este é o teu território, meu caro centro de saúde..Por isso vejo nas ULS do futuro um conjunto de verdadeiros centros de saúde, reconstituídos segundo o critério insubstituível de proximidade. Só desta forma teremos, também, hospitais capazes de desempenhar melhor o papel que lhes compete..Quero o meu centro de saúde de volta..Quero que me atendas de forma cúmplice quando lá vou, que a tua sala de espera seja calorosa e pedagógica, e não qualquer coisa para lá da "fronteira". E que venhas, interessado, até cá, quando preciso de ti, aqui..Espero que me conheças verdadeiramente, nas minhas limitações, idiossincrasias e aspirações, para além do registo da tensão arterial, do hemograma e da prescrição do antidiabético..As tuas diferentes unidades funcionais, com as suas múltiplas competências, não foram pensadas para trabalhar cada uma de "per si". Mas antes para convergirem harmonicamente, simultaneamente, nas pessoas que delas precisam. E são muitas..É urgente pôr a funcionar os processos e instrumentos necessários para esse fim..Concretizar, finalmente, um sistema de informação verdadeiramente integrador. Com duas dimensões inter-relacionadas..A primeira, centrada em cada indivíduo. Não tão somente um registo eletrónico único. Mas um suporte eletrónico para um plano de cuidados, com objetivos concretos (discutidos, negociados e periodicamente avaliados), propriedade minha, mas facilmente partilhável com todos os meus cuidadores (no centro de saúde ou no hospital). É bom de notar, que isto é alguma coisa para além de "um sistema de informação comum ao centro de saúde e ao hospital"..A segunda dimensão, neste domínio, é a necessidade de uma "base de informação" sobre a saúde da comunidade servida pelo centro de saúde e dos seus principais determinantes - socioeconómicos, ambientais e culturais - que possa ser a base de uma estratégia local de saúde informada. Capaz de fazer a diferença. Configurando na sua implementação um "sistema local de saúde" com todos os parceiros indispensáveis..Naturalmente que isso requer um investimento tecnológico sério para o contínuo desenvolvimento dos nossos centros de saúde..Mas não é só tecnologia. Muito para além desta, são pessoas a trabalhar em conjunto, de várias profissões, falando umas com as outras, capacitando-se em inteligência colaborativa, reconhecendo e mostrando apreço pelas contribuições de uns e outros. Ouvir e incluir as pessoas e aqueles que as representam, como as suas autarquias locais. Colaborar com a farmácia do bairro. Dar atenção às organizações de carater social e às associações de utentes e doentes..Isso não se faz com "agrupamentos" que podem chegar a abranger 14 concelhos, com um único conselho/governação clínica e de saúde!.O funcionamento desta governação clínica e de saúde a nível local é de uma importância fundamental para fazer convergir as contribuições de cada unidade funcional. E também para fazer sentido a relação entre "atividades" e "resultados" - assegurar que há necessariamente aprendizagem e progresso, a partir da avaliação dos resultados dos planos individuais de cuidados e das estratégias locais de saúde..Sem um conselho clínico e de saúde ativo e capaz, meu caro centro de saúde, simplesmente não existes..O bom funcionamento dos processos e instrumentos que acabamos de descrever, assegura também uma efetiva continuidade e integração entre os cuidados prestados nos centros de saúde e aqueles que têm lugar nos hospitais. E ajudem a resistir à tentação de transferir recursos destinados à prevenção da doença e à proteção e promoção da saúde nos cuidados de saúde primários para as exigências assistenciais imediatas nos hospitais, como por vezes já acontece..Finalmente, o SNS é um instituto público especial, felizmente, com a autonomia que lhe corresponde, e com uma direção executiva, para assegurar a sua boa gestão..É altura de acrescentar e transformar..O centro de saúde, o verdadeiro, atualizado com os instrumentos que os nossos conhecimentos atuais lhe conferem, é a principal marca distintiva do SNS no sistema de saúde..Meu caro centro de saúde, esperamos-te de volta..Com o entusiasmo que transparece quando se renova e cresce..FIM