Um casal à beira do precipício. Em O Ninho estamos em Inglaterra, nos anos de 1980, em plena euforia yuppie. Ele, um corretor de sucesso nos EUA, decide voltar a Inglaterra com a esposa-troféu, o filho e a enteada. Quer fazer o negócio da vida dele, acredita que é na Grã-Bretanha que estão as grandes oportunidades de negócio, mas um estilo de vida de aparências acima das suas possibilidades poderá ditar uma crise conjugal..Sean Durkin, cineasta afastado da circulação após o sucesso há dez anos em Cannes, de Martha Marcy May Marlene, regressa com uma homenagem invisível ao espírito de De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick. Trata-se de um dos poucos filmes de autor do cinema americano a estrear nesta fase e tem um Jude Law num dos momentos mais altos da sua carreira. Mas quem se destaca mais é Carrie Coon, conhecida de Viúvas, de Steve McQueen, atriz capaz de dar à sua personagem um torpor de perdição inédito num filme americano, um pouco a reeditar a ousadia de Ellen Barkin no seu auge..The Nest é acima de tudo um filme que põe à frente, quase em jeito de papel principal, os eighties. Nesse sentido, uma banda sonora com a brit pop do momento ajuda a direcionar o tom. Sean Durkin, de Nova Iorque, ao telefone, concorda: "Aquela era a banda sonora que ouvia quando era jovem no banco de trás do carro dos meus pais, nasceu de uma playlist através de memórias vívidas. A música neste filme tem um efeito nostálgico e acaba por dar energia." Richard Reed Parry, dos Arcade Fire, também assina a partitura do filme, uma espécie de carta de amor à época..YouTubeyoutubezQYZupWMoHA.Mas se os anos 80 são espelho de uma ganância que criou sequelas, The Nest é sobre aquele momento em que se abdica dos sonhos mais puros por uma ideia de falsa grandeza. E aí a câmara de Durkin é de um cinismo brutal perante as personagens, seja o marido apaixonado por si próprio, a adolescente em autodestruição ou a mulher em curto-circuito com uma sexualidade por cumprir. Nesse sentido, uma das imagens marcantes do filme é a personagem de Carrie Coon a dançar bêbada e excitada ao som dos Communards a implorar em transe "Don't leave me this way". E aí a atriz canaliza a energia de uma Gena Rowlands nos filmes do marido, John Cassavetes: "Tenho ouvido muito isso", confessa o realizador, que adianta: "Eu e a Carrie acabámos por apenas nos focar no trabalho, nunca fomos pelas referências. Mas a Gena tem as melhores interpretações que alguma vez vi na vida: Noite de Estreia é um dos meus filmes de cabeceira. A Carrie também foi por aí: dar tudo o que tinha." Por esta altura já se percebeu, Carrie Noon em The Nest pode significar o nascimento de uma estrela..A atriz, também ao telefone dos EUA, fala desta época e desta história como um espelho da situação atual social no seu país: "Estas pessoas têm de ultrapassar a ilusão em que vivem para conseguir sobreviver. Os EUA têm de fazer o mesmo nestes dias. Temos muito trabalho pela frente para voltarmos a ser o país a que nos propusemos. O Ninho fala de forma subconsciente desse tema. Não sei se é algo mais global, mas falando do que sei, da situação nos EUA, é bastante atual. Creio que há algo de muito perturbador nesta proposta de cinema.".A chamada não tem cortes e Carrie continua a falar do tal papel que costuma ir parar a atrizes mais cotadas. Não é coincidência que o momento Communards venha ao de cima: "Essa sequência de dança foi muito intimidante. Estar desinibida em frente a uma câmara não é fácil, e aqui era mesmo pedido. Dançar à anos 80 também foi um desafio... Naquele tempo dançávamos todos de uma outra forma, tive de me preparar de forma mais pura. Essa era uma cena sobre deixarmo-nos ir. Foi muito libertador, foi um dia muito bom para mim no plateau. São esses os momentos em que acredito que a profissão de ator é algo de muito saudável..Entre o thriller e o drama clássico, O Ninho passa-se numa casa inglesa de campo, filmada aqui como território opressor de uma família deslocada: "Filmei a casa com as regras do subgénero do filme de casa amaldiçoada. Ao fim e ao cabo, estas são pessoas amaldiçoadas por si mesmas. O casal tem a maldição dos seus segredos e dos seus acordos velados. A dada altura, eles vão ser obrigados a confrontar o silêncio que a casa evoca e uma verdade em oposição ao estilo de vida de mentira que optaram. Usei o mecanismo cinematográfico do imaginário da casa amaldiçoada para expor tudo isso.".Por fim, é Carrie Noon quem chega com uma confissão, um pouco em oposição de uma certa opinião consensual da crítica americana que realça a forma como representa com sensualidade: "Rejeito isso, cresci como maria-rapaz e vejo-me como uma atriz de composição. Nem quero ser a protagonista típica. Aqui, para representar esta mulher com tanto poder sexual, tive de contornar as minhas dúvidas sobre a minha figura. E também não foi fácil representar ao lado de uma celebridade tão atraente como Jude Law... Ultimamente têm-me calhado todos os atores mais sensuais, meu deus! Tudo isso continua a fazer-me duvidar sobre se o meu lugar é ser uma leading lady... A minha família nem acredita que consegui chegar até aqui. Já agora, gostaria de continuar a tentar continuar estar nesta situação.".Carrie Noon, já a seguir, vai ser vista no novo Ghostbusters, de Jason Reitman. Temos é de esperar até ao próximo verão para um reencontro com uma atriz que não vai largar este poleiro de Hollywood.