Carlo Rovelli: o físico que vende mais que as 50 Sombras de Grey
Os números de vendas do físico Carlo Rovelli dispararam desde o momento em que lançou o seu último livro, o resultado de sete artigos escritos para um jornal italiano que explicam o universo em lições compreensíveis a todos os não cientistas. Em entrevista, o físico confessa: "Foi uma surpresa total, que me deixou muito feliz!" Até em Portugal é um sucesso, onde já vendeu alguns milhares de exemplares (editora Objectiva), mesmo que seja um número muito inferior ao que, por exemplo, a edição italiana conseguiu e que ultrapassou as vendas do best-seller erótico 50 Sombras de Grey.
No primeiro capítulo faz três críticas ao ensino como ele existe: Einstein não gostava da escola; preferia os intervalos para ler o filósofo Kant, e acaba um parágrafo a dizer "é assim [fora da escola] que nos tornamos verdadeiros cientistas". Ensinar e aprender deveriam acontecer de outro modo?
Não, ensinar e aprender é essencial. O problema é que a escola nem sempre é o melhor lugar para se aprender. Os professores dão o seu melhor mas, frequentemente, são incapazes de seguir as mentes vivas dos jovens estudantes, que se sentem mais motivados em investigar e descobrir por si próprios do que assistir a aulas aborrecidas. Eu penso que a escola deve ter como objetivo orientar os alunos para os campos de ideias interessantes mas o verdadeiro aprendizado é uma questão individual.
Uma das partes inesperadas na sua escrita é, por exemplo, a revelação de que estava na praia de Condofuri a ver o mar quando compreendeu a noção de tempo e espaço de Einstein. Acredita que a observação ainda é fundamental?
A ciência atual avança através de observações realizadas com instrumentos muito desenvolvidos. Mas a compreensão do mundo continua a manter-se baseada na nossa intuição, que se centra no modo como olhamos para o mundo. Portanto, respondo que sim, que penso que o que vemos através dos nossos olhos e como o interpretamos continua a ser a melhor forma de avançar.
Depois das descobertas de Copérnico, Newton, Einstein e Stephen Hawking, ainda há lugar para uma revolução no entendimento da Física?
Stephen Hawking?... Esse não pertence ao mesmo grupo de Copérnico, Newton e Einstein! Os três foram cientistas que deram os maiores passos na perceção do universo. Concordo que precisamos de uma nova revolução científica se queremos descobrir o que está por trás dos mistérios que permanecem.
Pelo que se lê nestas Sete Breves Lições de Física Einstein é para si o maior. É correta a observação ou também é apreciador de autores com teorias "esotéricas" que décadas depois provam estar corretas?
Os dois maiores avanços na Física no século XX são: a relatividade geral, que se deve a Einstein, e a teoria quântica, que é de autoria de vários cientistas, mas principalmente de Werner Heisenberg e Paul Dirac.
Repete frequentemente as palavras mágico e belo para descrever as grandes descobertas da Física. Não é abusar da poesia?
"Mágico" será talvez muito poético. O sentido que lhe quero dar é como expressão do sentido de admiração, surpresa e estranho numa nova Física. "Belo", pelo contrário, não é assim tão poético, creio. A razão destas palavras deve-se à reação de quem estuda de forma profunda a nova Física ficar deveras impressionado com a sua beleza.
É curioso quando refere que é mais fácil entender os conceitos matemáticos de Riemann do que os últimos Quartetos de Beethoven... Mais poesia?
Não, não mesmo! É uma verdade, pois qualquer estudante médio de Física ou Matemática aprende e compreende a matemática de Riemann. Mas conheço muitas pessoas que não são capazes de compreenderem os últimos Quartetos de Beethoven. Eles são maravilhosos mas nada fáceis de apreciar.
Vamos à intuição no cientista. Ainda é qualidade fundamental?
É essencial, sem dúvida. Particularmente para alguns cientistas foi - como Einstein -, para outros, que são mais orientados na forma, é menos necessária. Mas sem intuição não existe ciência. A intuição é a capacidade do cérebro para adivinhar de um modo correto baseado em pequenas pistas. É uma capacidade naturalmente humana.
Numa época em que a Inteligência Artificial está a "aterrar" no nosso mundo, acredita que no futuro as máquinas também possam ter um entendimento do universo?
Talvez isso possa vir a acontecer mas, creio, não será tão cedo. Suspeito que ainda vivemos numa época distante dessa realidade. As máquinas podem ter grandes aptidões mas nunca poderão comparar-se à máquina muito mais complexa que é o nosso cérebro.
Na relação com os alunos nota que estão mais curiosos - ou "inteligentes" - do que eram há uns anos?
De longe muito melhores. O acesso à informação que os órgãos de comunicação social e a Internet oferecem e, especialmente, o facto de poderem correr o mundo inteiro faz com que se tenham tornado muito mais inteligentes do que eram no passado.
Escolheu um poema de Lucrécio para terminar o seu livro. Os escritores e filósofos atuais são inferiores na expressão do que quem viveu há dois mil anos?
Não foi por essa razão, pois temos escritores e filósofos maravilhosos no mundo em que vivemos. A razão é que Lucrécio está muito mais perto do meu coração do que eles, talvez porque seja tão antigo e, ao mesmo tempo, tão contemporâneo na sua visão da natureza.