Intimidade. É uma das figuras mais importantes do Vaticano, onde mora num enorme apartamento privado, com vista para a Praça de S. Pedro. Mas, afinal, como é o dia-a-dia do cardeal português Saraiva Martins? O DN Gente conta-lhe tudo.
No seu apartamento privado, na primeira transversal à direita depois da Praça de S. Pedro, o cardeal Saraiva Martins acorda. Vive num quarto andar com vista para a mais bela praça da Itália e para o símbolo mundial da Igreja Católica, a Basílica de S. Pedro. O "cardeal do sorriso", como o chamam com ternura, toma um duche, faz a barba e veste o fato cinzento com o cabeção de sacerdote. De seguida toma o pequeno-almoço, preparado pela irmã Terezinha, portuguesa da Ordem da Imaculada Conceicão. No final da refeição, veste os seus paramentos cardinalícios.
D. Saraiva Martins, juntamente com as três freiras da mesma congregação que vivem no seu apartamento, dirigem-se para a capela privada, onde o cardeal celebra a missa. Duas das freiras ocupam-se exclusivamente da sua pessoa, enquanto a terceira se encontra a frequentar a Faculdade de Teologia. Ordenado sacerdote em Roma, faz a celebração em italiano, apesar de a primeira língua de todos ser o português.
O acesso à capela é feito através da sala de visitas, ampla, com chão de mármore. As cadeiras são forradas em veludo vermelho "cardinalício" e as paredes ostentam quadros oferecidos, todos eles tendo como tema o mar. Dali, entra-se na capela através de uma porta de vidro.
O altar está coberto por uma toalha de linho branca, rendada a crochet com motivos religiosos. Ladeando o altar, dois vasos de plantas, um deles com uma orquídea rosa-lilás - foi um presente dos seus familiares pelos 50 anos de sacerdócio, celebrados no último domingo. Sobre o altar, à direita, uma jarrinha com rosas vermelhas e brancas, apanhadas frescas no terraço do próprio apartamento. Na parede, à esquerda, as imagens da Virgem de Fátima e de Jacinta e Francisco. À direita, um quadro de azulejo, com a Sagrada Família, oferecido pela Opus Dei italiana, quando o bispo Saraiva Martins foi nomeado cardeal.
Durante o dia, e em diversas ocasiões, D. Saraiva Martins vem rezar nesta capela. "Rezo à Virgem Maria e a Santo António, o santo dos santos em Itália, que não decepciona ninguém que o invoque."
O cardeal Saraiva Martins começa a atender telefonemas na sua sala de trabalho na Prefeitura da Causa dos Beatos e Santos, que dirige no Vaticano. Normalmente, chega ao local muito antes dessa hora, e na sua secretária estão colocados ordenadamente os dossiês que devem merecer a sua atenção prioritária. O escritório é mesmo colado à casa onde vive, embora o acesso seja feito por portas e escadas diversas.
Regressa a casa para almoçar com as três religiosas. O almoço é sempre preparado pela irmã Terezinha. O menu habitual é composto por macarrão à italiana, salada, fruta e, por vezes, queijo. Os tomates para o molho são apanhados, durante o Verão, dos vasos do terraço, onde a irmã Terezinha os plantou ao lado dos coentros, couve para o caldo verde, manjericão, salsa e feijão verde.
Terminado o almoço, o cardeal dorme uma pequena sesta. Por questões de reserva, o acesso ao seu quarto não foi facultado.
Faz o seu passeio à volta da casa, pelas ruas do Borgo Pio, como é chamada a zona habitacional, já fora das muralhas do Vaticano. O então cardeal Ratzinger era um companheiro habitual nesses passeios, onde muitas vezes paravam para compras numa charcutaria, cujos chouriços e presunto lembravam a Ratzinger os da sua cidade natal.
A proximidade é tanta que o Papa lhe enviou mesmo, por ocasião do jubileu de ouro do sacerdócio, uma carta pessoal de parabéns em que manifesta toda a sua "estima" por ele, elogiando os "copiosos talentos divinos e a equilibrada educação humana e católica" do cardeal. Quando está mais livre, D. Saraiva Martins visita paróquias mesmo fora de Roma e vários centros religiosos. As férias, que tanto aprecia, são passadas sempre em Portugal. A maior parte do tempo em Lisboa.
Duas vezes por semana volta ao trabalho, onde fica até as 19.00. Sendo o seu dicastério muito intenso e exigente, trabalha mesmo fora dos horários de escritório.
Na sua qualidade de Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, levou a bom termo importantes processos que foram apresentados ao Papa para serem beatificados ou canonizados, como Santa Faustina Kowalska, Santa Edith Stein, os santos mártires chineses, os beatos Pio IX e o papa João XXIII, os pastorinhos de Fátima - as mais jovens crianças, não mártires, jamais elevadas à honra dos altares -, o beato Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, ou a beata Madre Teresa de Calcutá. Algumas vezes trabalha mesmo de manhã ou depois de jantar, em casa, no escritório particular, onde conserva, pendurado na parede, sobre a sua secretária, a foto do pai e da mãe.
D.José Saraiva Martins volta para casa. Janta, sempre com as três religiosas. O menu, preparado pela irmã Terezinha, tem sempre "sopa portuguesa, uma batatinha, cenoura, couves, feijão verde". "As sopas italianas não têm graça nenhuma", garante. Depois vem o presunto ou peixe, e salada. O serviço de pratos, quando há visitas, tem as suas "armas" de cardeal.
Depois do jantar, na sua salinha de estar, já sozinho, vê televisão, gosta de se informar sobre tudo. Não perde os telejornais italianos, alguns espaços de cultura e de reportagem. Ele próprio já foi convidado especial de vários programas da RAI. Mas não esquece o seu país e, graças a uma antena parabólica, vê a RTP Internacional.
Entre as dez e meia e as onze horas da noite, recolhe ao seu quarto para se deitar.