Cardeal espera regresso de multidões em agosto e outubro. "Voltaremos todos a Fátima"
"É possível que muitos pensem que esta peregrinação é triste, por se realizar com o recinto fechado, e porque lhe faltam as grandes multidões e o colorido dos anos anteriores". Sem negar esse "coeficiente de tristeza e dor", o cardeal António Marto, bispo de Leiria-Fátima - que presidiu às celebrações deste inédito 13 de maio - disse esta manhã no santuário que "talvez estejamos todos a aprender como é uma peregrinação em estado puro, a peregrinar com o coração, a peregrinação interior no percurso mais íntimo das nossas vidas".
Perante curtas dezenas de pessoas (funcionários do Santuário, algumas freiras de diversas congregações e outros representantes da Igreja), António Marto centrou-se nessa profundidade. Haveria de citar a escritora americana Willa Cather: para dizer aos fiéis que "há coisas que se aprendem melhor na calma e outras na tempestade". Que a luz da fé "ajuda-nos a ver o lado positivo das crises, das noites escuras, porque até nessas há estrelas de referência".
Entre a Mensagem de Fátima, que segundo o cardeal permite "ler os sinais dos tempos com esperança", e aquilo a que chamou "conversão em profundidade", António Marto lembrava como tudo mudou em tão pouco tempo. "Ainda há pouco estávamos a viver com uma confiança imensa no poder científico-técnico, no poder económico e financeiro, pensando que estaríamos por ventura imunes a qualquer epidemia ou, se ela viesse, logo se encontraria uma solução rápida". Só que a realidade terrena tem sido ao invés dessa certeza.
"É uma situação dramática e trágica, sem precedentes, que nos convida a refletir sobre a vida", sublinhou o responsável da diocese de Leiria-Fátima, para quem "a pandemia é um chamamento à conversão espiritual mais em profundidade. Um chamamento aos fiéis cristãos, mas também a todos os homens, que permanecem criaturas de Deus".
Na homilia desta manhã, António Marto enfatizou ainda o mais importante, no tempo que vivemos: "o vírus da indiferença só é derrotado com os anticorpos da compaixão e da solidariedade. Como cristãos não podemos ficar indiferentes e olhar para o lado". Citou então a visão da pequena Jacinta, uma dos três pastorinhos de Fátima, comunicada à prima Lúcia: "não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não têm nada para comer? E o Santo Padre em uma igreja diante do imaculado coração de Maria a rezar? E tanta gente a rezar com ele?".
Para António Marto não há dúvidas: "é uma situação que já bate à porta das Cáritas diocesanas e de várias paróquias, e soa a sinal de grito de alarme". Citou então o papa Francisco (que nesta manhã de 13 de maio se referiu a Fátima, a partir de Roma), e lembrou como é necessário "um impulso de solidariedade que oriente uma resposta mundial perante a anunciada quebra do nosso sistema económico e social".
Já no final da celebração, o bispo haveria de surpreender a todos com uma mensagem do Papa Francisco, dirigida aos peregrinos, enviada no dia dia 8: "por força das circunstâncias, a 13 deste mês não vos será possível cumprir na forma habitual a peregrinação até à Cova da Iria. Sei, porém, que aí vos encontrais igualmente, de alma e coração. E a razão é simples! Um filho, uma filha não se pode ver longe da mãe e clama por ela; a confiança que lhe inspira é tal, que basta a sua companhia para cessarem todos os medos e inquietações, abandonando-se a um sono tranquilo logo que se vê no regaço dela".
"Hoje conseguimos, através apenas da alma e do coração, fazer a ligação à virgem Maria", disse o papa Francisco, considerando que "somos limitados, tão limitados, tão pequeninos que um inesperado vírus pôde facilmente transtornar tudo e todos". Mas o representante máximo da Igreja confortou a todos: "Nossa Senhora é pequenina como nós (...) não esqueçais a sua promessa de 1917: "o meu imaculado coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus".
Numa alocução emocionada, perante o recinto deserto, e a chuva miudinha que pintou de cinzento este 13 de maio, António Marto terminou a homilia com palavras de esperança para os milhares que certamente o seguiam pela televisão ou pela internet. Dirigindo-se a Nossa Senhora, agradeceu a peregrinação interior: "hoje fazes tu o caminho da ida; o caminho de volta fá-lo-emos nós, quando superarmos esta ameaça que no-lo impede. Voltaremos: é a nossa confiança e nosso compromisso. Voltaremos juntos aqui, em ação de graças para te cantar "aqui vimos, mãe querida, consagrar-te o nosso amor"". Como de resto era hábito ouvir-se, na procissão do adeus, que encerrou a peregrinação aniversária de Fátima, mas com outros cânticos. No ano em que passam 103 anos da aparição, e que pela primeira vez na história se fez sem peregrinos, sem promessas, sem ofertas.