Cantares de julho
Voltou o turista feliz e cansado,
sorriso na cara e muito encarnado.
Forçado a subir, correndo a descer,
tudo fazendo para não se perder.
Para tudo olha com ar espantado,
acaba a manhã na esplanada sentado
Olha-o o empregado com olhar guloso,
esperando a gorjeta que dá orgulhoso
A tarde começa seguindo o guia
e tudo se passa em grande correria.
Toda a estátua é obra mirada
e toda a vista bem fotografada
Saca o telemóvel e em foto regista,
de costas para a obra, é ele o artista.
Não é o monumento o tema visado,
aquilo que importa é provar ter lá estado
É essa a vaidade que procura o turista,
mostrar lá na terra quão grande é a lista
Eu vi mais que tu e sou mais viajado,
se mostrares mais que eu, fico envergonhado
Lá vai o turista vestido sem jeito,
rabo descaído e pendurado o peito
Parece pedinte de tão trapalhão,
mas sente-se feliz com ar folgazão
Olha o local com um ar vaidoso,
aquele que trabalha para lhe dar o gozo.
Por todo lado passa sem cuidado,
atravessa, ultrapassa mesmo no encarnado
Acaba o dia cansado a jantar,
bebendo e comendo sempre a tagarelar.
De tudo o que viu pouco apreendeu,
mistura a história do que aprendeu
Mas também não importa,
a prova está feita a lista picada, viagem perfeita
Na nossa cidade somos invadidos,
sentimo-nos incómodos, ficamos perdidos
Queremos receber com boas maneiras,
as gentes que chegam de terras estrangeiras
Mas a multidão, que vemos chegar,
não para nem espera para nos saudar
Toma-nos as coisas, as ruas, a vida,
como se a nossa terra lhes fosse devida
Não param nem olham, não pedem licença,
nem querem saber como a gente pensa
Ruído incómodo temos que aturar,
passeiam rodinhas falam a gritar
Não fora o dinheiro que vêm gastar,
não sei como poderia este povo aguentar.
E tudo fazemos com muita alegria,
por causa da riqueza que esta malta cria
E olhamos o turista, tão mal-amanhado,
que com um sorriso é tão maltratado
Que tudo aceita só para provar,
que mais monumentos veio fotografar
Durante três anos sozinhos ficámos
e agora às enchentes felizes regressámos
Com dor e saudade do nosso sossego,
felizes por ter de novo um emprego
Sentimento amargo que o doce tempera,
sem nunca saber o que mais nos espera.