"Papel de filho da puta que você está fazendo comigo. Tens moral para falar do Renan? Irresponsável", escreveu Jair Bolsonaro, pela aplicação WhatsApp, ao filho Eduardo Bolsonaro. "Mais ainda, compre merdas por aí: não vou te visitar na Papuda [prisão brasileira], se a imprensa te descobrir aí, e o que está fazendo aí, vai comer o teu fígado e o meu", prosseguiu. "Quer me dar esporro [admoestação] tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse semana que vem. Mas me comparar com o merda do seu filho, calma lá", respondeu Eduardo..Aquela conversa, captada por um fotojornalista no plenário da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2017, gerou natural alvoroço - e um processo dos visados ao repórter. Mas, na ocasião em que Jair e Eduardo discutiam a ausência injustificada do segundo, em viagem de férias na Austrália, de uma votação importante no Congresso Nacional, envolvendo, pelo meio, Renan, o quarto filho do ex-capitão do exército, os dois não passavam de deputados federais de baixo clero, ligados ao lobby das armas e com posições vistas como folclóricas sobre a ditadura militar ou a homossexualidade..Como, um ano e oito meses depois daquela conversa, Jair Bolsonaro acabaria eleito presidente da República e os seus filhos ganhariam status de protagonistas em permanência da atualidade política, a mínima discórdia na família é, hoje em dia, escrutinada ao limite. E na última semana, o senador Flávio, o primogénito, e o vereador Carlos, o segundo filho do presidente, divergiram em público - e não em privado, como Jair e Eduardo há cinco anos e meio - do rumo da campanha de reeleição do pai, causando ruído e apreensão no campo do presidente.."Para aliados, essa cisão é a crise com maior "potencial destrutivo" dentre as que o presidente enfrenta na busca pela reeleição", escreveu a jornalista Andréia Sadi, na sua coluna de terça-feira, dia 14, no portal G1..Flávio Bolsonaro, considerado o mais político dos filhos de Jair Bolsonaro, é um dos elos entre o pai e Valdemar Costa Neto, o presidente do novo partido de ambos, o Partido Liberal (PL). O PL, por decisão de Valdemar e apoio de Flávio, contratou um "marqueteiro" profissional, Duda Lima, para coordenar a campanha. Entretanto, nos primeiros blocos de propaganda televisiva que foram para o ar, o slogan "sem pandemia, sem corrupção, com Deus no coração, ninguém segura esta nação", por exemplo, gerou reações negativas de apoiantes..Carlos Bolsonaro, que coordenou as redes sociais do pai na vitoriosa campanha eleitoral de 2018, foi um dos que exteriorizou o seu descontentamento, através do Twitter: "Meu Deus... vou continuar fazendo o meu aqui e dane-se esse papo de profissionais do marketing!". De imediato, seguidores do vereador do Rio de Janeiro aplaudiram o seu desabafo..Confrontado com as opiniões do irmão, Flávio foi incisivo em entrevista à CNN Brasil. "Olha, para mim, as inserções do partido foram perfeitas. Isso foi fruto de muito trabalho e de muito estudo. Não foi um achismo", no que pareceu uma indireta a Carlos, formado em ciências aeronáuticas e sem conhecimentos técnicos de marketing político.."Aquelas pessoas que são contaminadas por distorções, acusações falsas, por mentiras em relação a Bolsonaro, precisam conhecer quem ele é de verdade. E ele é aquilo que está na propaganda. Uma pessoa que conversa, que cuida do país", concluiu Flávio..O núcleo mais próximo do presidente divide-se entre os que preferem exaltar a espontaneidade de Bolsonaro, como Carlos, e os que defendem uma campanha o mais profissional possível, como Flávio..Para os partidos do chamado "centrão", o grupo, hoje ao lado de Bolsonaro, de cerca de duas centenas de deputados que apoia o candidato que mais lhes prometer nacos de poder e de orçamento, não dá para repetir em 2022, com uma grave crise económica no colo do governo, o discurso de campanha de 2018, onde a chave da eleição foi o discurso anticorrupção, no campo da economia, e da moral e dos bons costumes, no campo do comportamento. "A crise na economia, no preço dos combustíveis, problemas reais da população, pedem solução real, não "narrativas virtuais"", acrescenta a colunista Andréia Sadi, citando apoiantes anónimos do presidente..Em paralelo, Michelle Bolsonaro também vem gerando preocupação entre bolsonaristas. Filiada ao PL desde maio, condição exigida pela legislação eleitoral para participar na campanha, a primeira-dama é considerada pelo "marqueteiro" Duda Lima como peça-chave para reduzir a rejeição do eleitorado feminino ao marido. Além de ajudar a arregimentar o voto religioso, na qualidade de fervorosa evangélica..No entanto, Michelle recusou-se a gravar as 40 inserções televisivas previstas para ela. Conforme noticia a colunista Bela Megale, no jornal O Globo, "aliados de Bolsonaro chegaram a acioná-lo para que ele a convencesse a participar. O presidente, entretanto, não se comprometeu a abraçar a missão. A própria Michelle foi procurada diretamente e ouviu apelos para que não recuasse do projeto inicial"..Nas últimas sondagens, Bolsonaro soma 32% na intenção de voto, 12 pontos atrás de Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), com 44%. No eleitorado feminino, entretanto, a diferença é de 27 pontos contra 48..dnot@dn.pt