A população de Icó, no centro do estado do Ceará, foi acordada nesta noite com um tiroteio na câmara municipal e um ataque, à mesma hora, a uma rádio local. Foram os últimos episódios de uma onda de violência no estado do nordeste do Brasil, que dura desde o segundo dia de 2019, e já soma 125 ações de criminosos em 36 cidades, 110 detenções e duas mortes..Embora não haja ainda uma explicação oficial, tudo indica que um discurso do secretário de segurança do estado a ameaçar maior fiscalização nas cadeias desencadeou a crise. O ex-juiz Sergio Moro, novo ministro da justiça, enviou reforço policial para a região..No discurso de tomada de posse como secretário de segurança do governo do Ceará, Mauro Albuquerque anunciou uma fiscalização mais forte da entrada de telemóveis nas cadeias estatais. Na sequência, guardas prisionais apreenderam 407 aparelhos em penitenciárias gerando a revolta.."É uma medida de segurança mas não a única", disse na ocasião Albuquerque, que deseja endurecer a luta contra o crime organizado, uma promessa de campanha do governador Camilo Santana, do PT, reeleito em outubro para segundo mandato. O governador publicou, entretanto, vídeo nas redes sociais onde disse que "os ataques são a retaliação contra medidas duras e necessárias" que visam "fazer-nos recuar". "O que não tem qualquer possibilidade de acontecer, seremos cada vez mais duros contra o crime.".Segundo os serviços de inteligência estaduais, as três organizações criminosas mais fortes no estado estabeleceram então um pacto de não agressão e direcionaram esforços para combater a autoridade estatal. A primeira ação resultante do pacto foi um motim, numa das cadeias. Depois, surgiram pichações e vandalismos em edifícios de órgãos públicos de Fortaleza, a capital cearense, exigindo a demissão de Albuquerque..Desde então, foram incendiados automóveis, ambulâncias, camiões do lixo e autocarros, houve notícia de explosões em estradas e viadutos, registo de ataques a agências bancárias, esquadras de polícia, postos de combustível e centros comerciais. Dois criminosos foram mortos em confronto com as forças de segurança e quatro pessoas sofreram sofrimentos leves em decorrência dos incêndios. .Os serviços de autocarros estão, portanto, reduzidos, há estradas por onde não se pode circular, agências bancárias e outros serviços foram fechados e o comércio fecha mais cedo para desespero dos habitantes locais e dos muitos turistas atraídos pelas praias do estado em pleno pico do verão brasileiro. "Os clientes vão se embora dos restaurantes e os eventos turísticos já contratados são adiados", queixou-se uma turista à TV Globo..Sergio Moro decidiu, dada a escalada de violência, enviar 300 homens da força nacional, cem polícias militares do estado da Bahia e 50 agentes rodoviários federais, que intensificaram o combate e as detenções contra os autores dos crimes. Em paralelo, o governo federal disponibilizou 60 vagas em cadeias de outros estados para transferir os presos considerados principais responsáveis pelos ataques..Como a maior parte das forças policiais se vem ocupando de Fortaleza e de outras cidades importantes do estado, as autoridades acreditam que os povoados menores serão agora o alvo. "Dada a saturação de agentes na região metropolitana de Fortaleza, a tendência do crime será atacar os polos do interior e é possível porque eles têm muita espessura, estão em todo o lado", disse Cláudio Justa, do conselho penitenciário do Ceará..As organizações criminosas mais fortes no Ceará, como no resto do país, são o Primeiro Comando da Capital (PCC), com base em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro, a que se junta a Guardiões do Estado (GDE), de âmbito local. Outra das razões da revolta das três organizações foi a decisão do governo cearense de não dividir os detidos de cada uma por prisões, juntando-os todos. A divisão, opção da maioria dos estados, visa evitar confrontos e execuções..Em São Paulo