Câmara de Lisboa também partilhou dados com embaixadas de Israel, China e Venezuela
Além da embaixada da Rússia, a Câmara de Lisboa partilhou dados de manifestantes com as embaixadas de Israel, China e Venezuela, avança esta sexta-feira o Público.
A 24 de junho de 2019, chegou à autarquia um pedido do Comité de Solidariedade com a Palestina para que pudesse ser uma ação de sensibilização junto ao Coliseu dos Recreios durante o concerto do cantor brasileiro Milton Nascimento, com a intenção de desmotivar o músico a atuar em Telavive quatro dias depois, mas quando a Câmara deu autorização, os ativistas perceberam que o e-mail de resposta tinha também sido partilhado com a Embaixada de Israel em Lisboa, apesar de a embaixada não ser o alvo da manifestação e de estar localizada a mais de dois quilómetros do Coliseu.
Os manifestantes terão pedido esclarecimentos à edilidade, mas terão recebido a resposta por parte de uma assessora de imprensa de Fernando Medina de que esse envio de informação era "prática habitual".
No mesmo ano, mas a 25 de abril, a embaixada da República Popular da China foi informada sobre uma manifestação do Grupo de Apoio ao Tibete no Largo Camões para assinalar o aniversário do prisioneiro político Panchen Lama.
Também a embaixada da Venezuela foi informada sobre uma ação pública sobre o bloqueio ilegal de fundos estatais venezuelanos pelo Novo Banco junto à sede da entidade bancária, na Avenida da Liberdade, ainda que os organizadores não sejam opositores aos aos interesses do regime de Nicolás Maduro.
Os jornais Expresso e Observador noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Em conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, Fernando Medina admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu "desculpas públicas" e assumiu que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".
Os três ativistas russos, cujos dados foram partilhados, anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a câmara municipal.
Na conferência de imprensa, o autarca explicou que a partilha de dados resultou de "um funcionamento burocrático" da autarquia sobre realização de manifestações, entretanto já alterado em abril: Os promotores de uma qualquer manifestação devem comunicá-la à câmara até 48 horas antes da data, indicando o local, hora e dados de quem organiza.
Esses dados são partilhados com a PSP, o Ministério da Administração Interna e "as entidades onde a manifestação se vai realizar", explicou Fernando Medina. Neste caso, a entidade era a embaixada da Rússia em Lisboa.
"É aqui que há o erro da câmara, tratando-se desta manifestação esta informação não podia ter sido transmitida", disse.
No entanto, a explicação de que a embaixada da Rússia foi informada "por ser esse o local da realização da manifestação" contradiz uma explicação dada em 2019 pela Câmara de Lisboa, de que uma embaixada é informada "sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação", independentemente do local onde se realiza.
O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos, nomeadamente do PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, Livre e Volt Portugal.
À margem das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse aos jornalistas que a partilha de dados foi lamentável.
"Realmente é lamentável que isso tenha acontecido, e percebo o pedido de desculpa do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O que ele disse é, no fundo, aquilo que todos os responsáveis sentem, que não devia acontecer, não devia ter acontecido e espera-se que não volte a acontecer", considerou.
Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.
À noite, na RTP, Fernando Medina desvalorizou os pedidos de demissão, apelidando-os de "delírio de oportunismo político": "Estamos num tempo político em que o aproveitamento político é muito evidente".
Entretanto, a Comissão Nacional de Proteção de Dados fez saber que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.