Cabo Verde: Centro Cultural Português resgata memória da tradição musical

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\t\t\t*** Por José Sousa Dias, da Agência Lusa ***

Cidade da Praia, 17 Mar (Lusa) - O Centro Cultural Português (CCP) da Cidade da Praia começa quinta-feira uma iniciativa única destinada a registar, em vídeo, a memória da tradição musical cabo-verdiana através dos seus intérpretes mais antigos.

Do Finaçon ao Funaná, passando pela Rabeca e Violino, a ideia é legar, posteriormente, à Cultura de Cabo Verde um espólio que tem andado arredado da moda actual nos últimos anos.

Em declarações à Agência Lusa, João Neves, Adido Cultural da Embaixada de Portugal na Cidade da Praia, admitiu que, sob determinado ponto de vista, trata-se de uma espécie de "Buena Vista Social Club" de Cabo Verde, numa alusão ao filme/documentário preparado no final da década de 90 pelo músico norte-americano Ry Cooder, que resgatou os nomes mais sonantes e esquecidos do panorama musical cubano de meados do século XX.

"Mestres - Volume I" será, assim, o primeiro dos espectáculos que irão abrir o "ciclo de música", que permitirá a Codé di Dona (de seu verdadeiro nome Gregório Vaz), relembrar o Funaná (quinta-feira) e a Nacia Gomi c(a)ontar o Finaçon (sexta-feira).

"A ideia do CCP é apresentar alguns dos expoentes vivos dos vários géneros musicais cabo-verdianos, que serão encontros ora informais, ora espirituais, ora simplesmente sob a forma de um contacto", explicou João Neves, adiantando que os espectáculos têm entrada livre no auditório do Centro.

Este "primeiro volume" será apresentado por Mário Lúcio, um "cantautor" que esteve na origem de um dos grupos musicais mais importantes de Cabo Verde, os extintos Simentera, que seguiu depois uma carreira a solo com bastante sucesso e que procura manter nas suas composições as raízes da tradição popular do arquipélago.

Codé di Dona, 71 anos, é um dos maiores vultos da história da música popular cabo-verdiana, sendo natural de Chaminé, uma pequena localidade do concelho de São Domingos, na ilha de Santiago, onde nasceu em 1928.

A história de Codé di Dona é feita de acasos, mas sabe-se que aprendeu a tocar gaita com outro dos "pais" da música de Cabo Verde, Antão Barreto. Em 1947, aos 19 anos, e face à grave seca no arquipélago, alistou-se como contratado para São Tomé mas uma avaria no barco obrigou-o a regressar à Cidade da Praia, ficando a experiência retratada numa das mais célebres das suas composições: "Fomi 47".

Autor de dezenas de sucessos, Codé di Dona sempre viveu uma vida humilde, no meio das tradicionais tocatinas do arquipélago, ganhando também o "nominho" de Rei Midas, uma vez que, diz-se em Cabo Verde, "tudo o que toca vira ouro".

Codé di Dona, um guarda florestal reformado e que vive actualmente em São Francisco, a poucos quilómetros da Cidade da Praia, forneceu autênticas pérolas musicais a outros dos grupos mais importantes de Cabo Verde, como os Bulimundo, Finaçon ou Simentera.

Por seu lado, Nacia Gomi (Inácia Gomes de seu verdadeiro nome), nasceu em 1925 (74 anos) no concelho de São Miguel, na ilha de Santiago. Dizem os seus amigos que Nacia Gomi começou a cantar mesmo antes de saber falar, com apenas dois anos.

Nessa altura, contou João Neves à Lusa, os "mais velhos" da vizinhança pediram aos pais para tomarem atenção à menina, uma vez que a voz era "uma bênção de Deus".

"Canta de improviso, nunca interpreta da mesma forma as canções que canta, narra crónicas, ensina história, apresenta filosofias, recita poesia, tudo a uma só voz de analfabeta letrada", sintetizou João Neves, lembrando que Nacia Gomi já gravou três discos e tem participações em dezenas de outros.

Nacia Gomi, que vive hoje no município de Santa Cruz, também na ilha de Santiago, com as suas filhas, netas e bisnetas, já representou Cabo Verde em vários países de todo o mundo, entre eles as exposições universais de Sevilha (1992) e Lisboa (1998), bem como no prestigiado Smithsoniam Institute.

O "Volume Dois", com outros "tocadores", está ainda em preparação, concluiu João Neves.

Lusa/Fim

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