Em Cabo Verde, segundo a Constituição deste país, a língua oficial é o português mas o Estado está a criar as condições para que o crioulo cabo-verdiano seja oficializado juntamente com a língua de Camões..Durante o mês de fevereiro, o Centro Cultural de Cabo Verde (CCCV) em Lisboa iniciou um curso básico de língua cabo-verdiana para todos aqueles que queiram aprender a comunicar nesta língua..Adelaide Monteiro, natural da ilha de Santiago, dá aulas de crioulo há mais de 20 anos, tanto para nacionais como estrangeiros, mas este é o primeiro curso em parceria com o CCCV. Uma ideia que já estava pensada há algum tempo, mas apenas este ano se conseguiu concretizar..A professora explica que os principais inscritos nesta edição são falantes de língua portuguesa mas nem todos são portugueses. Adelaide Monteiro explica que a maioria dos alunos que teve ao longo dos anos foram estrangeiros que foram trabalhar para Cabo Verde e queriam aprender a segunda língua do país."Os principais motivos apresentados pelos alunos para se inscreverem é conseguirem comunicar com cabo-verdianos. A maioria já conhece Cabo Verde e quer aprofundar o seu conhecimento da língua", diz Adelaide Monteiro ao DN..A língua oficial deste país insular é o português, mas está explícito na Constituição de Cabo Verde que o Estado está a criar as condições necessárias para oficializar o cabo-verdiano em paridade com a língua portuguesa. Para Adelaide Monteiro, os linguistas já fizeram muito deste trabalho com a criação de gramáticas e manuais para ensinar a língua como língua materna e estrangeira. Acredita que a partir de agora a oficialização está nas mãos dos governantes.."Do meu ponto de vista há uma insegurança da parte dos órgãos decisores em apostar na língua cabo-verdiana como língua de ensino. Essa insegurança advém de um desconhecimento de tudo o que se tem feito a nível do estudo do crioulo", analisa a professora..Adelaide Monteiro considera que é necessário criar uma política línguistica para o cabo-verdiano e introduzi-lo nas escolas em conjunto com o português. Antes de começarem a escola, muitas crianças expressam-se quase exclusivamente em crioulo. Quando chegam às aulas têm de aprender a fazê-lo em português, o que se pode traduzir em dificuldades no ensino e na aprendizagem. "Cabo Verde é um país jovem e isto quer dizer que a língua é tão jovem quanto o país. Não vai desaparecer, mas é preciso que alguém tome conta deste instrumento. Tomar conta de uma língua é desenhar uma política para ela", afirma a professora..Para vários cabo-verdianos o crioulo é a forma mais fácil de se expressarem, e a tentativa de o traduzir pode causar desentendimentos. Em 2019, foi classificado como Património Cultural Imaterial Nacional para garantir a sua preservação, juntando-se a outros bens culturais que o Governo considera importante preservar, como a morna, as festividades de São João, o funaná e a tabanca. "A vida cultural de Cabo Verde passa através da língua e o país ganha muito se começar a mostrar ao mundo o que é que nós sabemos na nossa língua, sem traduzir", aponta Adelaide Monteiro..Há vários anos que esta professora dá aulas de cabo-verdiano, incluindo a jovens de terceira e quarta geração dos Estados Unidos que nunca tiveram a oportunidade de ir a Cabo Verde. Os avós, que passam muito tempo com estes jovens, são muitas vezes o seu último ponto de ligação com estas ilhas no Atlântico. "No final de uma aula, um jovem que não percebe crioulo e só queria aprender, leu num texto a frase Deus tá ba ku bô, "Deus acompanha-te", e lembrou-se que a sua avó lhe costumava dizer isso". Com medo de eventualmente perderem contacto com Cabo Verde procuram na língua uma última forma de ligação ao país..Esta nação africana insular é composta por nove ilhas, cada uma com a sua variedade linguística. Adelaide Monteiro explica que isso não se revela um impedimento para a oficialização do crioulo cabo-verdiano nem para o seu ensino. "Em Cabo Verde temos ilhas diferentes com variedades bem marcadas. Mas em termos de estudos línguisticos não é problemático porque o que interessa é a espinha dorsal"..Nas suas aulas, Adelaide ensina a base do crioulo, mostra aquilo que é comum na língua. Depois, a variedade que vai ser falada é decisão do aluno, dependendo da ilha para que vai. A professora considera que a parte mais complicada de ensinar é a escrita. "Enquanto na ilha do Fogo a primeira pessoa do plural é "du ba", em Santiago é "nu bai" (vamos). Mas estes são detalhes que eu explico nas aulas"..Adelaide lembra os voluntários do Corpo da Paz a quem deu aulas no final da década de 90 e que iam em missão para Cabo Verde. Quando se voltou a encontrar com eles, cada um falava uma variedade diferente. "Um deles foi para a ilha do Fogo e falava essa variedade, outro foi para o Sal e foi a mesma coisa. Aí eu tive a certeza que a questão das variedades pode parecer complicada ao início mas não é. No final, o mais importante é saber comunicar"..sara.a.santos@dn.pt