Longe de recuperar da pandemia e engolidos pela inflação, os estabelecimentos de cabeleireiro em Portugal viram a faturação cair 20% durante o último ano, à boleia da diminuição do poder de compra, do aumento de custos e da contração do consumo, segundo apurou o DN/DinheiroVivo junto da Associação Portuguesa de Barbeiros, Cabeleireiros e Institutos de Beleza (APBCIB)..Durante a pandemia, obrigados a fechar as portas, os proprietários dos salões de tudo fizeram para aguentar o barco, mas, de acordo com dados da Informa D&B, o encerramento de 480 casas desde 2020 foi inevitável, dizendo este número respeito apenas às empresas, por não ter sido possível chegar ao total de fechos de lojas de empresários em nome individual - que representam 67% do setor (cerca de 5923)..Ainda assim, desde o final de 2021 até meados de agosto do ano passado, "houve uma recuperação", embora distante dos níveis pré-covid, nota a APBCIB. No entanto, em setembro, o rumo mudou e os estilhaços da guerra fizeram-se sentir, provocando até agora um "decréscimo acentuado" da operação dos estabelecimentos de cabeleireiro no país..Segundo relata a associação, os consumidores não deixaram de frequentar os salões, mas optam por fazê-lo de forma mais espaçada e estão "muito mais contidos e atentos aos preços de tudo", tendo isto efeito direto nas receitas do negócio. Já os empresários lutam diariamente para continuar a fidelizar clientes, apesar de se verem obrigados a aumentar a tabela de preços para fazer face à subida de custos generalizada, sobretudo no que toca a material e produtos, que conheceram avanços na ordem dos 10% a 15%, e às faturas de energia. Esse passo é dado de "forma muito tímida e ponderada", não acomodando, na maioria das vezes, a totalidade da inflação, garante a representante do setor..Elisabete Ferreira, proprietária de um salão de rua em Lisboa, diz ao DN/DV que cada vez mais sente que "a ida ao cabeleireiro é encarada como um luxo"- e a realidade é que os custos para ter um estabelecimento destes para lá caminham. Olhando para duas faturas de fornecedores, uma de 2021 e outra de 2022, o aumento salta à vista: um tubo de tinta passou a custar mais 15% e um champô mais 10%. A mexida na tabela teve de acontecer, mas sempre com receio da incompreensão da clientela, que passou a visitar a casa com um maior intervalo de tempo e mais controlada quanto aos serviços a usufruir..Apesar de não conseguir especificar um número, a associação revela ter conhecimento de "muitos encerramentos" em todo o país, em consequência do abrandamento da atividade, e que tem verificado uma maior procura do seu departamento jurídico para celebrar acordos de revogação de contratos de trabalho por "motivos económicos". "Os associados estão a tentar, através da redução de colaboradores, equilibrar a sua situação financeira, a fim de lhes permitir suportar a manutenção do negócio". Por esse motivo, acrescenta a organização, não tem havido um aumento de contratações - o que se tem assistido neste campo é a um crescimento de trabalhadores independentes que exercem a profissão "num regime de prestadores de serviços, com maior flexibilidade de horários e de relação contratual"..O facto de este ser um tecido empresarial "muito fragmentado em micro entidades leva a que as mesmas estejam muito expostas as fatores externos de mercado e com falta de capacidade de resistirem e superarem os desafios da conjuntura económica nacional e mundial", reflete a APBCIB. Sustentado por um fio, o setor dos cabeleireiros em Portugal demonstra baixas expectativas em relação ao ano que há pouco começou, com a previsão de uma maior inflação e um contínuo declínio do poder de compra. E ainda que "resiliência" continue a ser a palavra de ordem, a associação reivindica do governo a descida do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) para a taxa intermédia de 13%, de modo a diminuir a despesa sobre a atividade..Dos atuais 8900 estabelecimentos de cabeleireiro ativos no país em dezembro do ano passado, 2977 pertenciam a empresas. Deste último grupo, 32 pertencem à rede da Jean Louis David que, apesar de durante a pandemia ter encerrado três dos seus espaços, tem conseguido recuperar, faz saber Vasco Malveiro, managing partner da Provalliance Portugal, dona da cadeia de salões. Os números de 2022 ficaram ainda 3% abaixo face a 2019, mas, em relação a 2021, o crescimento da faturação foi de 14%. Embora se mostre mais resiliente quanto aos estabelecimentos de dimensão reduzida, o grupo diz não ter escapado às consequências da inflação: os clientes visitam os salões com menos frequência, as rendas das lojas aumentaram 8% e os custos dos produtos e da energia subiram igualmente, levando a um aumento de 5% na tabela de preços.."Existem desafios, naturalmente, que afetam diretamente o consumidor final e que, por isso mesmo, nos afetam a nós. Estamos moderadamente otimistas relativamente ao novo ano.".Também a L"Oréal, que trabalha com uma boa fatia dos cabeleireiros portugueses seja diretamente, através da visita da força de vendas, sendo indiretamente, por parceiros que disponibilizam os seus produtos, sentiu o rombo da pandemia e admite que a atual conjuntura económica tem influenciado o poder de compra dos consumidores: "As pessoas, no geral, estão mais informadas, mais cultas e o processo de compra é mais racional", observa Gonçalo Nascimento, market director da divisão de produtos profissionais da marca..Enquanto fornecedora, confessa que a inflação tem-se refletido num aumento do custo das suas gamas, à semelhança da concorrência. "Fatores importantes e que afetam a nossa cadeia de produção, como o aumento do custo da energia, dos combustíveis ou de ingredientes, faz com que haja um reflexo no preço dos produtos", refere o responsável..Porém, a marca acredita que o mercado de Beleza tem tendência a superar as épocas de crise, comparativamente com outros setores, e que a procura pelo "gesto de luxo acessível" recuperará em 2023.