Burundi e África do Sul lideram revolta africana contra o TPI
Depois do Burundi, a África do Sul é o segundo país a anunciar a intenção de abandonar o Tribunal Penal Internacional. A decisão foi justificada por incompatibilidades existentes entre as obrigações perante o organismo e a legislação interna.
Na base do conflito que agora resulta em divórcio surge Omar al-Bashir. O presidente do Sudão está acusado pelo TPI por genocídio e crimes de guerra no conflito do Darfur e sobre ele recai um mandado de captura emitido pelo tribunal. Bashir esteve presente na conferência da União Africana realizada em Joanesburgo em junho do ano passado e a África do Sul recusou-se a prender o líder sudanês, alegando que as leis do país concedem imunidade aos chefes de Estado.
A decisão de agora abandonar o TPI surge uma semana depois de Jacob Zuma, o presidente da África do Sul, ter visitado o Quénia, cujo presidente, Uhuru Kenyatta, chegou a ser acusado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade - o caso acabou por ser arquivado por falta de provas.
Entre a União Africana existe a sensação de que o continente está a ser alvo de perseguição por parte do TPI. Apesar de haver investigações abertas noutras partes do mundo, todos os 39 indivíduos que até hoje foram acusados pelo tribunal são africanos (seis da República Democrática do Congo, cinco do Uganda, cinco da República Central Africana, sete do Sudão/Darfur, nove do Quénia, três da Líbia, três da Costa do Marfim e um do Mali). O mal-estar diplomático está instalado e existe o receio de que as decisões do Burundi e da África do Sul provoquem um êxodo de países africanos. O Quénia, o Zimbabué, o Uganda e a Namíbia - que já criticaram duramente o TPI - podem ser alguns dos desertores que se seguem. "No nosso caso particular ainda estamos indecisos. Pensamos que é melhor que haja uma decisão em bloco", afirmou Oryem Okello, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros do Uganda.
O assunto será um dos temas quentes na próxima cimeira da União Africana, agendada para janeiro na Etiópia. Ainda antes, a assembleia anual dos membros do TPI, que terá lugar entre 16 e 24 de novembro na sede em Haia, também promete ser controversa.
Fatou Bensouda, a procuradora-geral do tribunal, natural da Gâmbia, já por diversas vezes reagiu às críticas da União Africana sublinhando que o tribunal está a ajudar África ao perseguir os criminosos e que os países não deveriam ser contrários a essa postura.
Na terça-feira, o Burundi também anunciou a intenção de abandonar o TPI. A decisão surge numa altura em que o tribunal está a investigar situações de violência no país que, segundo o organismo, culminaram na morte de 430 pessoas. Os motins em causa começaram em abril do ano passado depois do presidente Pierre Nkurunziza anunciar a intenção de candidatar-se a um terceiro mandato, desafiando assim a Constituição.
O Parlamento do Burundi votou a decisão por uma maioria clara, com 94 deputados a favor e apenas dois contra. No entanto, de acordo com os Estatutos de Roma - segundo os quais se rege o TPI - o pedido de saída do tribunal apenas se torna efetivo depois de o secretário-geral da ONU ser oficialmente notificado, algo que ainda não aconteceu.
No caso da África do Sul, as Nações Unidas já confirmaram ter recebido a notificação, com data de 19 de novembro e assinada pela secretário de Estado para as Relações Internacionais, Maite Nkoana-Mashabane.
A Aliança Democrática (AD), principal força da oposição na África do Sul, já prometeu que irá lutar contra a medida. "Numa democracia constitucional como a nossa, não podemos aceitar um Governo que deixou de estar comprometido com a luta contra o genocídio, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade", afirmou o partido em comunicado. A AD classificou a decisão como uma "desgraça" e exige que ela seja submetida a uma ratificação pelo Parlamento.