Bruno Aleixo no Porto/Post/Doc. Um festival sem consensos
Um festival que se consolida. Deste sábado até ao dia 1 de dezembro, o Porto/Post/Doc continua a ser uma montra gratificante do melhor do cinema do real. Entre o Rivoli e o Passos Manuel, passando pelo Planetário, a equipa comandada por Dario Oliveira e Sérgio Gomes preparou uma edição cujo tema transversal pode ser as Identidades. A abertura no Grande Auditório do Rivoli pertence à secção Transmission, dedicada a temas relacionados com a música, com o documentário Marianne & Leonard: Words of Love, de Nick Bromfield, olhar sobre um dos grandes amores da vida de Leonord Cohen, Marianne, musa que marcou a criação do génio canadiano.
Arranque forte de um programa que aposta numa diversidade criteriosa e que é capaz de nos mostrar o novo cinema português na secção Cinema Falado, bem como apontar novas pistas de linguagens documentais numa competição que promete mundos e fundos.
A provocação deliciosa desta edição está precisamente no Cinema Falado com a antestreia nacional de O Filme do Bruno Aleixo, de Pedro Santo e João Moreira, comédia baseada no rabugento cão de Coimbra que ficou famoso numa série da SIC Radical. Aposta certeira pois trata-se de um caminho disruptivo de humor que joga grande parte do seu charme na forma como integra atores como Gonçalo Waddington, Adriano Luz e Rogério Samora nas tropelias de Aleixo, O Homem do Bussaco ou o Busto. A espaços francamente hilariante, O Filme do Bruno Aleixo já tinha tido certificado de aclamação ao ter sido selecionado na Mostra de Cinema de São Paulo. A versão de cinema de Bruno Aleixo mantém intacta uma comicidade única e que tem apaixonado uma geração de jovens portugueses. Depois do Porto/Post/Doc tem ordem para estrear nos circuito das salas logo no começo de 2020.
Outro dos acontecimentos do arranque do festival é a curta Raposa, de Leonor Noivo, estreada no FID Marselha, uma representação de um flagelo chamado anorexia, aqui materializado no corpo da atriz Patrícia Guerreiro, outrora musa de João Botelho em filmes como Quem és Tu e O Fatalista. Um filme cujo registo assenta numa representação poética e íntima de uma dor que não se explica. Passa este sábado às 19h, no Passos Manuel.
Ainda do cinema português, paragem obrigatório dia 28, às 16.30 para a longa de Júlio Alves, Sacavém, um olhar sobre o método de Pedro Costa. Um cineasta a olhar para outro cineasta com uma linguagem de amor cinéfilo. É muito bonito e funciona como aperitivo perfeito para Vitalina Varela, também programado nesse dia.
"Passados cinco anos a traçar azimutes, numa volta alargada ao mundo, com as periferias no centro, o Porto/Post/Doc questiona: o que, em nós, em cada um de nós, define o que somos individual e coletivamente? Que nó se estabelece entre uma política de identidades e a constituição de identidades politizadas? Que terra nos cabe quando não pertencemos a nenhuma? Questões que atravessam toda a programação do festival mas que verão as luzes da ribalta no Fórum do Real e no programa de filmes paralelo. Em palco, na tela ou no café, serão nove dias de encontros com a diferença, que é o mesmo que dizer, outras identidades", escreveu a direção do festival no seu site, e desse programa Identidades há um diálogo com o Fórum do Real, conferências que nos obrigam a um trabalho de reflexão sobre a arte cinematográfica e onde vão ser exibidos clássicos como A Rua da Vergonha, de Mizogushi; Persona, de Bergman e La Salamandre, de Alain Tanner. Os temas dos debates deste fórum são Da Terra (dia 27), Da Imagem (dia 28) e Do Pensamento (dia 29).
Impensável não aderir também ao foco sobre o lituano Audrius Stonys, cineasta de culto muito interessado em desvendar os mistérios da essência humana. Uma retrospetiva que há muito se esperava.
E porque a música é sempre um prato forte deste festival com festas e concertos, chamada de atenção para Zé Pedro Rock n' Roll, de Diogo Varela Silva, dia 29 às 21.30, um dos bilhetes mais quentes desta edição. Olhar íntimo e pessoal do realizador à memória do seu amigo Zé Pedro, conhecido por todos como guitarrista dos Xutos e Pontapés. Filme de emoções fortes que é sempre mais interessante quando dispensa o formato das "cabeças falantes". Por essas e por outras, quem acusar de elitismo este festival bem que pode virar a boca para o lado. O Grande Prémio do maior festival do Porto saber-se-á dia 30, véspera do encerramento. Este ano, não há portugueses no júri da competição e é impossível ignorar a presença como jurada da francesa Valérie Massadian, cineasta aclamada de Milla.