O governo britânico tinha garantido, na sexta-feira e no domingo, que o acordo da saída da União Europeia ia ser votado nesta terça-feira, mas acabou por dar o dito por não dito e adiou a votação parlamentar. Esta foi a forma que Theresa May encontrou para não ser derrotada pelos deputados. "Se fizéssemos a votação amanhã, o acordo seria rejeitado por uma margem significativa", reconheceu a primeira-ministra na Câmara dos Comuns. "Vamos, portanto, adiar a votação e não vamos dividir a Câmara neste momento", disse. Se todo o processo tinha pouco de claro e linear, mais confuso ficou, a ponto de ninguém saber quando é que a proposta irá a votos..Essa decisão levou a que o presidente do Parlamento, John Bercow, fizesse uma declaração a instar o governo a levar a decisão de adiar o voto a ser, ele próprio, votado, em respeito aos deputados que debatiam o tema há quatro dias. Mas Theresa May evitou essa votação através de uma escapatória do regimento parlamentar. "Eu sugiro educadamente que em qualquer ambiente cortês, respeitoso e maduro, se permita que o Parlamento tenha uma palavra a dizer seria o direito e, atrevo-me a dizê-lo, o caminho óbvio a tomar", disse Bercow..Para risada de muitos deputados, Theresa May justificou a decisão ao dizer que ouviu as suas preocupações e que muitos aspetos do acordo têm apoio alargado. No entanto, reconheceu que a questão do mecanismo de salvaguarda (backstop) não oferece garantias suficientes de que não existirá fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. E, como tal, anunciou que vai procurar junto dos líderes europeus mais garantias e que procuraria dar ao Parlamento britânico mais poderes sobre a sua aplicação. May disse que outros líderes da UE estavam abertos a uma discussão sobre o tema. A resposta chegou ainda durante a sessão de perguntas e respostas entre May e os deputados, por parte do presidente do Conselho Europeu. "Não vamos renegociar o acordo, incluindo o backstop, mas estamos prontos a discutir como ajudar a ratificação britânica. Com o tempo a esgotar-se, vamos também discutir a nossa preparação para um cenário sem acordo", escreveu Donald Tusk no Twitter..Também May disse que o Reino Unido vai, entretanto, reforçar o plano de contingência para um Brexit sem acordo..Conselho Europeu para quê?.O primeiro-ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar, alinhou a mensagem com o presidente do Conselho Europeu: "Este acordo tem o apoio dos 28 governos e é o único em cima da mesa.".No Parlamento, o líder da oposição, Jeremy Corbyn, questionou Theresa May se esta procurava alcançar mudanças substanciais ou pequenas e, caso não consiga renegociar o acordo, que deve demitir-se..O próximo passo da governante britânica é reunir-se com alguns líderes europeus (o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker). Irá então fazer parte, em Bruxelas, do Conselho Europeu, na quinta-feira..Como o próprio Tusk declarou, Bruxelas irá tentar ajudar a clarificar a linguagem para ajudar à ratificação do acordo, tendo em conta "a preocupação generalizada e profunda" da Câmara dos Comuns sobre o mecanismo de salvaguarda para evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda..Os diplomatas da UE estão a trabalhar numa curta declaração que vai explicar o que significa o backstop e sublinha que este só se destina a entrar em vigor se as partes não conseguirem chegar a um acordo na relação futura até ao final do período de transição do Reino Unido..O backstop prevê a manutenção de todo o Reino Unido numa união aduaneira com a UE, bem como um maior alinhamento normativo para a Irlanda do Norte, dada a ausência de fronteira com um país da UE, a República da Irlanda..Essa declaração, adianta o Financial Times, poderá fixar uma data-limite para um acordo comercial, e deve reforçar a ideia de que o mecanismo de salvaguarda não se destina a "estabelecer uma relação permanente" entre o Reino Unido e a UE, uma vez que o acordo já prevê que o citado mecanismo seja aplicado apenas "temporariamente"..Votação em que data?.Com uma declaração dos restantes líderes na mão, Theresa May irá agendar a votação agora adiada. Durante a tarde, uma e outra vez, a primeira-ministra torneou a questão, dizendo apenas que iria trabalhar para obter mais garantias sobre o mecanismo de salvaguarda e que tentaria fazer a votação o quanto antes. Acabou por dizer que teria de fazê-lo até ao limite estabelecido no acordo, 21 de janeiro..Refira-se que essa data foi posta em causa por um especialista do Parlamento, através da conta oficial do Twitter. "Na prática a última data poderia ser 28 de março", ou seja, na véspera do Brexit..Tendo em conta a quadra natalícia, e o encerramento da Câmara dos Comuns, torna-se pouco provável que a votação ainda decorra neste ano..Este adiamento no máximo de tempo possível fará parte da estratégia de Theresa May: a de convencer os deputados de que ou se chega ao acordo ou que não existe acordo e, a partir de 30 de março de 2019, as relações do Reino Unido com a UE passam para o nível básico de regras segundo a Organização Mundial do Comércio..É uma aposta arriscada, mas May não tem muito mais cartadas..Moção de censura?.A qualquer momento, Jeremy Corbyn poderá deixar a sua posição defensiva e passar ao ataque. "Vamos apresentar uma moção de censura quando considerarmos que tem mais probabilidades de ser bem-sucedida. É evidente para nós que Theresa May não irá renegociar o acordo quando se deslocar a Bruxelas e que apenas irá pedir garantias aos líderes da UE. Quando voltar a apresentar o mesmo acordo à Câmara dos Comuns sem alterações significativas, outros membros da assembleia serão confrontados com essa realidade. Nessa altura, terá perdido de forma decisiva e inquestionável a confiança do Parlamento na questão mais importante que o país enfrenta, e o Parlamento terá mais probabilidades de realizar as eleições gerais de que o nosso país necessita para pôr termo a este impasse danoso", declarou um porta-voz do Labour a meio da tarde. Mas em política um dia é muito tempo. À noite, corriam informações de que deputados do DUP, o partido unionista irlandês que tem suportado o governo minoritário de May, se pode juntar a uma moção de censura - um xeque-mate a Theresa May, tendo em conta que todos os outros partidos (e mesmo entre alguns conservadores) defendem o fim da liderança de Theresa May..Essas movimentações terão ocorrido após Jeremy Corbyn ter apresentado uma moção para um debate de emergência, a ter lugar nesta terça-feira, sobre a decisão da primeira-ministra em não levar o acordo a votação. Durante este debate os deputados podem forçar o governo a levar o acordo a votos..Se a moção de censura ocorrer, e o governo cair, os trabalhistas têm 14 dias para conseguirem formar uma maioria parlamentar e um governo. Caso Corbyn não consiga uma maioria, haverá eleições. Essa opção ainda está nas mãos de Theresa May, desde que dois terços dos deputados estejam de acordo..Segundo referendo ou revogar o artigo 50.º?.Ao longo da tarde de segunda-feira, vozes de deputados de todas as bancadas pediram novamente para se devolver a palavra aos eleitores - e mais uma vez Theresa May repetiu invariavelmente o argumento de que há que respeitar o voto do referendo..May disse que a questão mais profunda era se o Parlamento queria cumprir a vontade do povo ou abrir divisões com outro referendo. "Se dermos um passo atrás, é evidente que esta casa enfrenta uma questão fundamental: será que esta casa quer concluir o Brexit?", perguntou. A decisão de suspender a votação foi tomada poucas horas depois de o Tribunal de Justiça da UE ter declarado que Londres podia revogar a sua notificação formal de divórcio ao abrigo do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. "O Reino Unido é livre de revogar unilateralmente a notificação da sua intenção de se retirar da UE", afirmou o tribunal. O momento da decisão não foi coincidência: o tribunal com sede no Luxemburgo explicou que a decisão foi tomada com urgência para assegurar que os deputados britânicos compreendessem as suas opções. Ou seja, neste momento, os britânicos podem decidir suspender a saída do Reino Unido da UE, embora essa não vá ser uma decisão que este governo vá tomar..Qualquer destas decisões deveria ser precedida de uma extensão do período de negociações com a UE. Uma ideia que não agrada a todos os líderes europeus. "Esse não é o plano. Mantivemos longas negociações por mais de um ano. Theresa May e Michel Barnier chegaram a acordo e agora é tempo de decidir se declaram apoio a este acordo ou não", declarou o chanceler austríaco, Sebastian Kurz.