Brexit: é tempo de pensar no futuro (4)

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A 19 e 20 de outubro, o Conselho Europeu vai discutir a saída do Reino Unido da União Europeia. Este Conselho é um momento de extrema importância tanto para o Reino Unido como para a União Europeia [UE].

O discurso da primeira-ministra Theresa May em Florença deu um verdadeiro impulso às conversações. Michel Barnier, negociador--chefe da Comissão Europeia, disse que o discurso gerou uma "nova dinâmica". Além desse ímpeto renovado, alcançámos progressos concretos, transformando os principais compromissos do Reino Unido em propostas concretas.

Reforçámos em primeiro lugar as garantias para os cidadãos. Os portugueses e todos os cidadãos da UE no Reino Unido são muito valorizados, bem como os britânicos em Portugal e nos restantes países da UE. Queremos que os cidadãos da UE que vivem no Reino Unido e os cidadãos britânicos que vivem na UE continuem a viver as suas vidas como têm feito até aqui. A nenhum cidadão europeu que esteja a viver legalmente no Reino Unido será pedido que saia do país. Mais importante ainda, estamos preparados para dar uma garantia vitalícia de regresso ao Reino Unido aos cidadãos da UE a quem seja concedido o settled status (estatuto de residente permanente).

Esta é uma proposta significativa que esperamos que a UE analise atentamente. A primeira-ministra assumiu também o compromisso de que os direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido não sofrerão alterações no futuro, comprometendo-se a incorporar o acordo sobre direitos dos cidadãos totalmente na legislação britânica e a assegurar que os tribunais britânicos possam remeter diretamente para este acordo.

Também reforçámos as garantias no que diz respeito às nossas obrigações financeiras. O Reino Unido vai honrar os compromissos financeiros assumidos durante o tempo em que foi membro da UE. Os nossos amigos europeus não terão de pagar nem mais nem menos do que resta do atual orçamento da UE.

E estamos a trabalhar para chegar a acordo quanto aos princípios-chave da questão da Irlanda do Norte e da Irlanda. As posições do Reino Unido e da UE sobre este tema estão bastante alinhadas. Todas as partes estão determinadas a encontrar soluções para esta questão complexa.

Quando o Reino Unido sair da UE nenhuma das partes estará em condições de aplicar sem percalços muitas das medidas que consolidarão a nova relação. Nem a UE poderá legalmente efetuar um acordo com o Reino Unido como um parceiro externo, enquanto formos ainda um Estado membro. Foi por isso que a primeira-ministra propôs um período de implementação simples e claro.

Durante este período estritamente limitado no tempo, o Reino Unido terá deixado a UE e as suas instituições, mas estamos a propor que continuemos a ter acesso aos respetivos mercados durante este período, e que o Reino Unido também continue a participar nos mecanismos de segurança existentes. As pessoas continuarão a poder vir viver e trabalhar no Reino Unido, mas haverá um novo sistema de registo, que será uma parte fundamental da nossa preparação para a relação futura.

O enquadramento jurídico para este período, que pode ser acordado no âmbito do artigo 50, seria a estrutura de regras e normas atualmente em vigor na UE. A duração deste período será determinada unicamente pelo tempo necessário para preparar e implementar os novos sistemas de que precisamos. Neste momento, estas considerações apontam para um período de implementação de cerca de dois anos.

Mas temos de preservar alguma flexibilidade. Como ninguém deseja que este período se prolongue para além do que é absolutamente necessário, entendemos que devemos também poder decidir antecipar a aplicação de certos aspetos do enquadramento futuro, se isto puder ser feito sem percalços.

Um período de implementação faz sentido por duas razões. Em primeiro lugar porque queremos que a nossa saída da UE seja tão suave quanto possível. Não faria sentido obrigar as pessoas e as empresas a planearem duas mudanças no relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia. Em segundo lugar porque este período permite que nos concentremos no que realmente importa: a relação duradoura, profunda e especial que pretendemos estabelecer com a UE no fim deste período temporário.

Estamos convencidos de que será fácil chegar a um acordo sobre este período de implementação a partir do momento em que o Conselho Europeu dê a Michel Barnier um mandato para explorar essa possibilidade connosco. Isso permitir-nos--á começar a falar sobre a futura relação entre a União Europeia e o Reino Unido, o que é essencial por vários motivos. Mas em particular porque muitas questões relacionadas com a saída estão intimamente ligadas à relação futura que o Reino Unido quer ter com a UE.

A fronteira com a Irlanda do Norte é um bom exemplo disso. Seria mais fácil apresentar soluções se pudéssemos começar a falar sobre como vai ser o regime aduaneiro. Noutras matérias - tais como cooperação judicial em matéria criminal ou o que acontece aos bens importados que estão à venda no Reino Unido e na UE no dia da nossa saída - seria útil falar sobre saída e sobre a relação futura ao mesmo tempo.

É amplamente aceite que o discurso da primeira-ministra em Florença e a nossa abordagem pragmática das negociações mudaram a dinâmica do processo. Agora esperamos ver uma flexibilidade semelhante no Conselho Europeu da próxima semana. Esperamos que Portugal e restantes Estados membros reconheçam o progresso que fizemos e deem um passo em frente nesse mesmo espírito.

A nossa ambição e aquilo que propomos aos nossos vizinhos e aliados europeus é uma parceria nova, profunda e especial entre o Reino Unido e uma UE forte e próspera. Consegui-lo exigirá liderança e flexibilidade, não só da nossa parte mas também de Portugal e dos restantes Estados membros. Achamos que é tempo de começar a falar do futuro. E que todos os cidadãos europeus, portugueses, devem estar preocupados com o atraso no início dessas conversações. Porque o que queremos é não apenas o melhor acordo possível para o Reino Unido, mas o melhor acordo possível para ambas as partes. O progresso nas negociações terá os seus percalços. Mas com uma abordagem construtiva e imaginativa, num espírito de amizade e cooperação, e com os objetivos firmemente orientados para a futura relação, acredito que podemos prosperar lado a lado.

Embaixadora britânica em Portugal

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