O assassinato, a tiro, de Marcelo Arruda, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), em Foz de Iguaçu, no sábado, dia 9, enquanto celebrava o 50.º aniversário numa festa com alusões ao candidato presidencial Lula da Silva, por Jorge Guaranho, um adepto do presidente Jair Bolsonaro que passava nas imediações, chocou o Brasil. Mas o caso é apenas a ponta mais dramática de um iceberg de ataques registados antes ainda de começar a campanha. Especialistas temem, em 2022, a eleição mais sangrenta da história.."Temos um cenário sombrio pela frente", alerta ao DN Pablo Nunes, coordenador-adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. "Estas eleições são o culminar de um processo de degradação do teatro político com Bolsonaro como principal ator: ele já na campanha de 2018 defendia a violência como forma de resolução de conflitos, invertendo a lógica, porque a política é, precisamente, resolver conflitos de forma pacífica"..Cláudio Couto, cientista político da Universidade de São Paulo, também acredita numa escalada. "É da natureza do bolsonarismo", disse ao jornal Folha de S. Paulo. "Não foi só a facada que elegeu Bolsonaro, evidentemente, mas todo esse ambiente gerado a partir de 2013, quando a direita antissistema saiu das catacumbas", afirma..Ouvido pelo DN, em março, ainda antes da onda de incidentes recentes, Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, já previa os casos que se verificaram. "Devem temer-se, sim, casos de violência não só contra os candidatos como em brigas entre os seus apoiantes", anteviu o académico..E os casos sucedem-se. No dia 7, uma bomba caseira explodiu durante comício de Lula, no Rio de Janeiro. O dispositivo foi lançado por um homem imediatamente conduzido à esquadra. No mesmo dia, o juiz que decretou a prisão do ex-ministro da Educação de Bolsonaro, acusado de corrupção, foi atingido por fezes de animais, ovos e terra, em Brasília, enquanto guiava o veículo..Na Universidade Estadual de Campinas, dia 29 de junho, o vereador paulistano Fernando Holiday, do partido Novo, da direita liberal, foi impedido de discursar por estudantes ligados à União da Juventude Comunista. Uma semana antes, dirigentes bolsonaristas invadiram aos gritos o evento em que Lula e o seu candidato a vice-presidente, Geraldo Alckmin, lançaram o programa de governo e acabaram detidos..Em Uberlândia, Minas Gerais, um ato a 15 de junho com a presença de Lula foi interrompido pelo ataque de um drone que descarregou fezes, urina e veneno contra moscas sobre os manifestantes. O responsável, um latifundiário de 38 anos, foi preso. Em maio, o carro onde estava Lula, em Campinas, foi cercado por bolsonaristas..Ainda no ano passado, um empresário de Arthur Nogueira, em São Paulo, ameaçou Lula de morte em vídeo enquanto disparava para alvos colocados numa baliza de futebol..Na mesma entrevista ao Folha de São Paulo, Cláudio Couto sugeriu até a entrada de snipers na campanha. "Sabemos que muitos bolsonaristas andam armados e sabem usar armas. Temo mesmo que atiradores a longa distância possam ser mobilizados"..Líder das sondagens, Lula já desde fins de fevereiro que toma medidas: começou por se mudar da sua residência nos arredores de São Paulo para uma no centro da cidade e, mesmo com direito a quatro guarda-costas, na qualidade de antigo presidente, duplicou o número de seguranças. Por outro lado, nunca repete um local de encontro com aliados - se num dia os recebe em casa, noutro dirige-se a um hotel e num terceiro à sede do seu instituto. Na última terça-feira, em Brasília, o antigo presidente usou colete à prova de balas e teve, pela primeira vez, detectores de metais, revista aos presentes e proibição do uso de bandeiras com mastro num evento público..O Brasil tem tradição de violência contra políticos. Em dezembro de 1963, os senadores Silveira Péricles e Arnon de Melo insultaram-se no Congresso brasileiro ao ponto de o segundo, pai do futuro presidente Collor de Mello, ter disparado na direção do primeiro. O parlamentar José Kairala acabou atingido fatalmente ao tentar apaziguar..Edmundo Pinto, governador do Acre, foi morto a tiro, em 1992, por três homens que confessaram terem sido pagos para o matar, no quarto de um hotel em São Paulo, às vésperas de depor numa Comissão Parlamentar de Inquérito sobre corrupção.."Toninho do PT", prefeito de Campinas, foi assassinado com três disparos enquanto guiava o seu carro, em 2001, num caso fechado pela polícia como discussão de trânsito. A família do político não aceitou o desfecho, assim como, no ano seguinte, os irmãos de Celso Daniel, prefeito de Santo André, também do PT, não se conformaram com a conclusão "crime comum" após o sequestro e homicídio do autarca. O crime, a cumprir 20 anos em 2022, tem sido usado por Bolsonaro para lançar a suspeita de envolvimento de dirigentes do PT na morte do seu correligionário..No ano das últimas eleições gerais, 2018, a execução de Marielle Franco, vereadora do Rio, atingida, em março, por disparos no centro da cidade, e o atentado à faca contra Bolsonaro, então candidato presidencial, em Juiz de Fora, em setembro, são notícia desde então - e alvo de especulações e indignação, à esquerda e à direita..De acordo com estudo de Pablo Nunes, entretanto, o problema é mais visível ainda no "Brasil profundo". Só no mês das últimas eleições municipais, novembro de 2020, foram contabilizadas 25 tentativas de homicídio contra candidatos a prefeito e vice-prefeito - cinco resultaram em morte. Nos dois meses anteriores, setembro e outubro, morreram 26..No total, o sangrento 2020 somou 85 óbitos e 100 agressões por motivos políticos. "Longe das grandes cidades, a tensão e a sensação de impunidade são ainda mais elevadas", concluiu Nunes. As emboscadas em locais públicos são o método mais comum dos assassinos de candidatos. Os autores, quando descobertos, estão sobretudo ligados à ação das milícias, nas periferias das grandes cidades, e a grupos de matadores profissionais, no interior do país..dnot@dn.pt