Brasil. E agora, onde está a mulher do Queiroz?

Depois de encontrar finalmente o operador do esquema de corrupção envolvendo o filho mais velho do presidente escondido na casa de um advogado da família Bolsonaro, a polícia desespera para descobrir a mulher dele, também peça chave na suposta organização criminosa, ainda foragida
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Durante o ano e meio do governo de Jair Bolsonaro, "cadê o Queiroz?" foi a pergunta mais ouvida no Brasil.

O paradeiro do assessor do senador Flávio Bolsonaro que operava um esquema de desvio de salários de colaboradores fantasma do primogénito presidencial, invadiu a internet, tornou-se o meme mais repetido de 2019, inspirou dezenas de programas humorísticos e atormentou a família presidencial.

"Cadê o Queiroz?" ouviram Jair e Flávio mas também Carlos e Eduardo Bolsonaro e cada um dos mais ferrenhos apoiantes do presidente, fosse como mais um argumento de discussão online ou como um grito disparado da multidão em eventos públicos.

Desde o fim da tarde de quinta-feira, entretanto, a localização de Fabrício Queiroz é conhecida de todos: está em prisão preventiva na penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro, para onde foi levado de helicóptero de São Paulo, depois de ter sido detido a 100 km da maior metrópole do Brasil, na pacata cidade de Atibaia, numa casa travestida de escritório de Fred Wassef, o advogado de Jair e Flávio nesse processo dos assessores fantasma e noutros.

Descoberto Queiroz - e logo num lugar altamente comprometedor para o Palácio do Planalto - a dúvida que incendeia o Brasil e desespera a polícia agora é "onde está a mulher do Queiroz?".

Ex-assessora (fantasma) de Flávio, a cabeleireira Márcia Oliveira de Aguiar não estava no escritório do advogado do presidente como o marido naquela quinta-feira.

Nem numa morada da família, num bairro do Rio de Janeiro, em que a polícia a procurou no mesmo dia.

Não estava sequer na casa de familiares em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, onde agentes realizaram aparatosa busca, com helicóptero e tudo, já nesta terça-feira.

Considerada peça chave para se entender a acusação de corrupção, de organização criminosa e de lavagem de dinheiro em torno do senador, Márcia está, portanto, oficialmente foragida.

Ainda não há memes ou sketchs em torno da pergunta "cadê a mulher de Queiroz?" mas, seguramente, por pouco tempo, até porque a própria Interpol desde as últimas horas também já está a fazer essa pergunta.

Márcia Aguiar desperta o interesse dos investigadores, desde logo, por ter sido assessora do então deputado estadual Flávio de 2007 a 2017, período em que decorria a "rachadinha", o esquema criminoso que consiste na contratação de assessores fantasma cujos salários são depois, em parte ou na totalidade, revertidos para o político que os emprega.

A suspeita dos investigadores é que a "rachadinha" liderada por Flávio e Queiroz desviou de dois a três milhões de reais em salários de assessores, dos quais 445 mil reais do ordenado de Márcia, apesar de ela jamais ter sido vista na Assembleia Legislativa.

Não só ela: a personal trainer Nathalia Queiroz, filha de Fabrício e enteada de Márcia, também era funcionária do filho de Bolsonaro sem nunca ter, de facto, trabalhado para ele.

Outra família com assessores fantasma no gabinete de Flávio era a de Adriano da Nóbrega, um dos mais procurados criminosos do Brasil, morto em fevereiro deste ano em ação conjunta das polícias baiana e carioca na região rural da Bahia onde se havia refugiado. A mulher e a mãe do miliciano também constavam da folha de pagamento do então deputado estadual.

Nóbrega, que liderou a poderosa e mortífera milícia Escritório do Crime, suspeita de estar por trás da execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, era um ex-polícia que passou a trabalhar como segurança de magnatas do jogo ilegal do Rio de Janeiro. No exercício dessa atividade foi acusado de homicídio.

Fundamental na delação premiada

Por outro lado, na eventualidade de a polícia querer negociar com Queiroz um acordo de delação premiada - quando a pena é reduzida em troca de informações sobre outros envolvidos no crime - a prisão da mulher pode ser fundamental. O operacional de Flávio já disse ser leal à família Bolsonaro desde que não tocassem na sua família.

E Márcia é ainda primordial para a investigação por ter recebido 174 mil reais em dinheiro - não se sabe de quem - para pagar despesas médicas de Queiroz no exclusivo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, no ano passado, de acordo com informações recolhidas pela polícia num caderno da família.

Noutro caderno, foram encontradas anotações sobre uma rede de proteção a Queiroz dentro da polícia - ele é reformado da polícia militar - caso fosse levado para a prisão onde ex-agentes cumprem pena.

Ou seja, na ausência do marido, desconfia a polícia, ela foi uma espécie de auxiliar do esquema criminoso. "Ele parece daqueles presos que dão ordens aqui fora, resolvem tudo", chegou a confidenciar Márcia numa mensagem a outra pessoa.

As conversas entre ambos apreendidas pela polícia nos últimos meses ajudaram ao rastreamento e localização do telemóvel de Queiroz.

Outra ajuda para a polícia partiu da filha do guru do bolsonarismo, o auto proclamado filósofo Olavo de Carvalho. Heloísa de Carvalho, que é opositora frontal das ideias do pai e do presidente da República, mora em Atibaia e costumava visitar uma amiga na casa vizinha àquela onde Queiroz foi achado.

Como sabia que Wassef, o advogado de Jair e Flávio, era o dono da moradia, passou a investigá-la por conta própria até encontrar lá "um senhor calvo". Era Queiroz. Ao DN, Heloísa afirma que desconfia também do paradeiro de Márcia Aguiar.

Em paralelo, a polícia investiga ainda uma suposta fuga de informação que favoreceu Flávio. De acordo com Paulo Marinho, empresário que ofereceu a sua casa no Rio como sede da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, o hoje senador foi avisado do Caso Queiroz entre a primeira e a segunda volta das eleições (outubro), ou seja, mais de um mês antes da operação ser tornada pública (dezembro).

Foi por isso, diz Marinho, que Queiroz foi exonerado por Flávio em outubro, ainda antes de o escândalo rebentar.

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