O que faz à porta do Palácio do Planalto o deputado Fábio Ramalho, do MDB, com um saco de linguiças, queijo canastra, doce de leite, pé de moleque e outras iguarias da cozinha de Minas Gerais? Espera, e obtém, uma audiência com o amigo de longa data Jair Bolsonaro. Os petiscos do deputado mineiro, que concorre à presidência da Câmara dos Deputados no dia 1 de fevereiro, são para tentar convencer o presidente a não apoiar o seu rival Rodrigo Maia, do DEM. À mesma hora, a gráfica do Senado imprimia um livro de 500 páginas de louvor a Renan Calheiros (MDB), que concorre à chefia da câmara alta. No Brasil, as eleições acabaram na noite de 28 de outubro. Em Brasília, a campanha da chamada "terceira volta" está a acelerar..E os presidentes das duas casas do Congresso Nacional são vitais para o sucesso ou o fracasso de qualquer governo: são eles que definem ritmo e agenda legislativos e, em última análise, que aprovam ou rejeitam pedidos de impeachment - em 2015, Dilma Rousseff caiu pela ação do então chefe dos deputados, Eduardo Cunha. .Comecemos pelo Senado. Calheiros, o senador alcunhado de "imortal" pelos seus pares, quer presidir a casa pela quinta vez. Estratega da campanha de Collor de Mello, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e passou de opositor de Lula da Silva e Dilma Rousseff a fiel escudeiro de ambos, porque no estado nordestino onde se elege, Alagoas, ser contrário ao PT é eleitoralmente suicida. Foi no contexto dessa fidelidade que criticou as reformas económicas liberais do colega de partido Michel Temer e apoiou Fernando Haddad nas presidenciais. No entanto, o "imortal" afirma-se agora do lado das reformas económicas muito mais liberais do ministro das Finanças, Paulo Guedes, e já disse, para que Bolsonaro o oiça, que é "um batedor de continência". Isto é, não fará oposição às propostas do governo..Influente, diz-se que pode ter 51 votos assegurados de um universo de 81 senadores, resultado suficiente para ser eleito à primeira. Para tal, beneficia-se da decisão do Supremo de manter a votação secreta porque às claras poucos assumem apoiá-lo, uma vez que, com 13 inquéritos na Operação Lava-Jato entre muitos outros percalços, é considerado o protótipo da velha política que o novo statu quo do Planalto (supostamente) despreza..Assim, seis nomes já se apresentaram para disputar com Calheiros: entre os quais Major Olímpio, do PSL de Bolsonaro, o ex-candidato presidencial Álvaro Dias, do Podemos, ou Simone Tebet, que é também do MDB mas de outra ala. O senador Flávio Bolsonaro (PSL) chegou a equacionar concorrer, mas o escândalo em torno do seu motorista, o bolsonarogate, recomenda recolhimento..Na Câmara dos Deputados, o atual presidente, Rodrigo Maia, do DEM, recebeu apoio formal do PSL de Bolsonaro - embora, entre dentadas em linguiças e queijos mineiros, o presidente tenha garantido a Fábio Ramalho que a decisão foi do líder do partido porque ele não se pronuncia. Junte-se o PSL, segunda maior bancada da Câmara com 52 deputados, ao blocão, grupo de partidos que se rege, assumidamente, por interesses, e Maia deve ficar, no mínimo, perto da maioria dos 513 parlamentares que compõem a casa..João Campos (PRB), o líder da Bancada da Bíblia, como é conhecida a frente parlamentar evangélica, cogitou concorrer desde que tivesse o apoio formal de Bolsonaro - mas o presidente, ao recusar expressar preferências, matou a sua candidatura..À esquerda, o PT, maior bancada da Câmara, aceitava apoiar Maia desde que sentisse no deputado vontade de ser independente da agenda do governo. O apoio do PSL ao atual presidente da casa, no entanto, cria um dilema aos petistas: engolir o sapo de estar do mesmo lado do partido de Bolsonaro ou optar por uma alternativa pela esquerda e arriscar perder "a terceira volta das eleições" já depois de ter perdido a segunda?.Caso opte por confrontar Maia, até pode vir a deixar-se seduzir por Fábio Ramalho e pelos seus petiscos.