A pandemia de covid-19 não é a única preocupação do primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, cuja coligação de centro-esquerda está em risco por causa de um dos parceiros: o ex-chefe de governo Matteo Renzi. Tendo como pano de fundo o destino dos 209 mil milhões de euros do plano de recuperação europeu, o líder do Itália Viva acusa o antigo professor de Direito que está à frente dos destinos do país desde 2018 de querer concentrar ainda mais poder..Conte já refez as contas ao plano de recuperação italiano - destina, por exemplo, 18 mil milhões de euros ao reforço do sistema de saúde, em vez dos nove mil milhões originalmente previstos, a parcela destinada aos investimentos sobe para 70% e a dos incentivos cai para 2% - e ainda está aberto a negociações..Mas para Renzi e a Itália Viva isso poderá não ser o suficiente. Resta saber se uma remodelação, seguida de um voto de confiança no Parlamento, chegará para acalmar as hostes, se o ex-primeiro-ministro insistirá na saída de Conte (aparentemente não há qualquer diálogo entre ambos), ou se os italianos terão mesmo de voltar às urnas, dois anos antes do previsto..Renzi, que foi chefe de governo entre fevereiro de 2014 e dezembro de 2016 (quando se demitiu após perder o referendo da reforma constitucional), não tem cargo no atual executivo. Mas o seu partido, o Itália Viva, que tem 30 dos 630 deputados e 18 dos 315 senadores no Parlamento, tem duas pastas (Agricultura e Família). Por causa da pequena minoria que a coligação tem no Senado, é por isso essencial para a continuação do segundo governo de Conte, um independente que chegou ao poder pelas mãos do Movimento 5 Estrelas (o vencedor das eleições de março de 2018)..O primeiro governo de Conte chegou ao fim em agosto de 2019, quando a Liga, o partido de extrema-direita de Matteo Salvini, retirou o apoio ao chefe de governo na esperança de desencadear eleições antecipadas. Na altura, Conte e o Movimento 5 Estrelas aliaram-se numa coligação de centro-esquerda com o Partido Democrático. Evitou-se assim uma nova ida às urnas, e nem a cisão deste último em setembro de 2019, que resultaria na criação do Itália Viva, pôs a coligação em causa, com Renzi a manter o seu apoio ao governo..Contudo, desde finais de novembro que Renzi tem ameaçado deixar cair Conte e, na última semana, as suas duas ministras, Teresa Bellanova e Elena Bonetti, ameaçaram repetidamente demitir-se. "O primeiro-ministro deve admitir que esta experiência chegou ao fim da linha e dizer se somos capazes de recomeçar. Da minha parte, o tempo acabou, precisamos de respostas", disse ontem Bellanova.."Se as nossas ideias não são necessárias, podem ficar com os nossos cargos", tinha dito Renzi na terça-feira, antes de ser conhecido o novo plano, falando de uma série de diferenças - "gastos com saúde, comboios de alta velocidade, vacinas, educação, cultura e emprego". E disse que o Itália Viva tinha um "problema político, não pessoal" com Conte..Luigi di Maio, chefe da diplomacia e líder do Movimento 5 Estrelas, deixou entretanto uma mensagem no Facebook: "Este governo deve seguir em frente, o país não pode arriscar cair no imobilismo, os jogos palacianos não são aceitáveis, é preciso transparência." E continuou: "Estamos todos a trabalhar para um pacto de governo mais articulado que dê certeza sobres os temas a todas as forças políticas, mas junto com Giuseppe Conte, que deve ser respeitado e apoiado. Se temos de discutir algo, não discutamos cargos mas temas.".Por seu lado, o líder do Partido Democrático, Nicola Zingaretti, defende que seria um "erro imperdoável" avançar para eleições antecipadas. "Não ao aventurismo e aos ultimatos, existe raiva social, a situação pode degenerar", alertou, defendendo que Renzi tem de recuar e Conte propor um novo pacto de governo. E lembrou a situação da pandemia: Itália é o país mais atingido na Europa, tendo registado só na sexta-feira mais 620 mortes e 17 533 novos casos de covid-19, num total de 77 911 mortes e 2 237 890 casos desde fevereiro..Já Salvini, ex-ministro do Interior que se tornou no líder da oposição, diz-se pronto para ir a eleições (já o defendia em agosto de 2019). Defende mesmo que esta é a única solução tendo em conta os confrontos dentro da coligação. As sondagens colocam a Liga à frente (a maioria com menos de cinco pontos de vantagem para o Partido Democrático), com o Movimento 5 Estrelas a surgir em quarto, atrás dos Irmãos de Itália (também de extrema-direita). Renzi não chega a 3% das intenções de voto.