Cumprir o Brexit, unir o país, derrotar Jeremy Corbyn e dinamizar o Reino Unido. Estes são os quatro desafios que Boris Johnson assumiu nesta terça-feira, depois de ter sido declarado vencedor na corrida à liderança do Partido Conservador. Nesta quarta-feira, se tudo correr como o previsto, substituirá Theresa May no número 10 de Downing Street.."A campanha terminou e o trabalho começa", disse num curto discurso de vitória. A composição do seu governo deverá ser conhecida na quinta ou na sexta-feira. Mas, já nesta terça, os primeiros nomes da sua equipa mais alargada começaram a ser divulgados pela imprensa britânica, ao mesmo tempo que membros do Executivo de May iam anunciando a sua demissão..O deputado Mark Spencer, eleito por Sherwood e quase desconhecido fora do Parlamento britânico, será o responsável pela ligação com a bancada conservadora e garantir a disciplina de voto. Uma nomeação bem recebida pelos deputados do partido, que o consideram como alguém que procura consensos..Segundo o Financial Times, Boris terá também nomeado Andrew Griffith, executivo do grupo de media Sky, para o cargo de conselheiro da área de negócios, ficando responsável por melhorar a relação com os grupos empresariais e industriais (preocupados com a ideia de um Brexit sem acordo)..Segundo o Daily Telegraph, David Frost será conselheiro para a União Europeia, o "sherpa" (emissário do chefe de governo que prepara os encontros em Bruxelas) que tratará do Brexit. O ex-embaixador na Dinamarca de 2006 a 2008 era conselheiro de política externa quando Boris Johnson estava no Ministério dos Negócios Estrangeiros, estando atualmente à frente da Câmara de Comércio e Indústria de Londres..Quem também deverá entrar na equipa de Boris é o antigo diretor da campanha do Brexit, Dominic Cummings, que os media britânicos dizem que vai ser conselheiro do novo primeiro-ministro. É considerado o arquiteto da campanha para a saída da União Europeia..Do lado das demissões, foram várias. O ministro do Desenvolvimento Internacional e ex-candidato à liderança conservadora, Rory Stewart, anunciou na terça-feira à tarde a sua demissão, depois de o ministro da Justiça, David Gauke, a secretária de Estado da Educação, Anne Milton, e o secretário de Estado para a Europa e Américas, Alan Duncan, terem feito o mesmo. Também o ministro das Finanças, Philip Hammond, ameaçou demitir-se, segundo a BBC..Quase o dobro dos votos.Boris Johnson chegou à liderança dos tories depois de ter conquistado 92 153 votos, numa eleição que teve a participação de 87,4% dos membros do partido. Jeremy Hunt, o seu adversário na corrida, obteve pouco mais de metade desse valor, 46 656 votos..No breve discurso de vitória, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros começou por cumprimentar o "formidável" Jeremy Hunt - os dois estavam sentados lado a lado na plateia do centro de congressos QEII quando foram anunciados os resultados - e disse que iria "roubar" as suas ideias de campanha..Com o sentido de humor que lhe é conhecido, Boris Johnson dirigiu-se aos militantes: "Sei que há pessoas que vão questionar a sabedoria da vossa decisão." De seguida, disse que é chegado o momento de "reconciliar dois nobres pares de instintos", a amizade com os aliados europeus e um "desejo simultâneo de autogoverno democrático".. Clique aqui para ver os resultados completos da votação no Partido Conservador .Após ter dito que a sua campanha se centrava em quatro temas, cumprir o Brexit, unir o país, derrotar Jeremy Corbyn e dinamizar o país, no acrónimo em inglês DUDE ("meu") proclamou: "Meu, vamos dinamizar o país! Vamos acreditar em nós, vamos acabar com a negatividade, vamos unir este país fantástico (...) A campanha terminou e o trabalho começa.".Cenas dos próximos capítulos.Se tudo correr como previsto, May irá participar nesta quarta-feira no último debate parlamentar e irá ao Palácio de Buckingham apresentar a demissão à rainha. Nesse momento, com base na recomendação da chefe de governo cessante, Isabel II irá convidar o novo líder conservador a formar um novo governo e a tomar posse como primeiro-ministro. Faz parte da tradição que este, antes de entrar no número 10 de Downing Street, faça uma declaração ao país..Mas as recentes demissões do governo podem levar a que quer Theresa May quer a rainha levantem dúvidas sobre a capacidade de Boris Johnson para reunir uma maioria parlamentar para formar governo..Caso isso aconteça, May pode manter-se no cargo até ao novo líder vencer uma moção de confiança, segundo os professores universitários Robert Hazell e Meg Russell. "O teste decisivo é saber se o novo líder dos conservadores é capaz de conquistar a confiança da Câmara dos Comuns", escreveram. "Um cenário possível é que um grupo de deputados conservadores esteja tão preocupado com o candidato vencedor que declare a sua retirada de apoio imediatamente após ser conhecido o resultado - ou seja, antes que o novo primeiro-ministro seja nomeado. Isto representaria um sério dilema para a rainha e para aqueles que a aconselham, porque não seria claro se o novo líder conservador poderia suscitar confiança.".E como a maioria parlamentar dos conservadores é apenas de quatro deputados, contando os aliados unionistas do DUP, a rainha pode, por sua iniciativa, exigir que Boris Johnson se apresente na Câmara dos Comuns para uma moção de confiança. Ganha a votação, poderia formar governo. Caso contrário, o país iria para eleições antecipadas..A líder do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte, Arlene Foster, indicou que os dez deputados deste partido continuarão a apoiar o Partido Conservador e o seu novo líder, bem como o seu novo governo. "O acordo de confiança e apoio entre o Partido Conservador e o Partido Unionista Democrático permanece", disse Foster, num comunicado, que foi citado pela Reuters..Após ter felicitado Johnson, a chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon, escreveu que "seria hipócrita" se não se mostrasse preocupada com a perspetiva de o novo líder conservador se tornar primeiro-ministro. "Tenho a certeza de que a grande maioria dos escoceses não teria escolhido entregar as chaves do número 10 a alguém com as suas opiniões e passado." Mais à frente a nacionalista escocesa reafirmou que tudo fará para "bloquear o seu plano de Brexit sem acordo". E que vai continuar os preparativos para "a Escócia escolher o seu futuro através da independência" no lugar de um "futuro imposto" por Boris Johnson e os conservadores..Sturgeon não estará só a falar para o eleitorado do SNP. Numa sondagem publicada pelo Politico a maioria dos escoceses (56%) disse não saber quem é o melhor candidato conservador para assumir funções como primeiro-ministro, 28% escolheu Jeremy Hunt e apenas 16% Boris Johnson..Moody's alerta para risco de saída sem acordo do Reino Unido da UE.No discurso de vitória, Boris reafirmou ainda que vai trabalhar para um Brexit a 31 de outubro, como tinha dito na campanha, quando acrescentava "independentemente de a UE concordar com um acordo revisto"..A agência de rating Moody's considera que esta eleição aumenta o risco de um Brexit sem acordo e alerta para os efeitos negativos para o país. "Com a eleição de Boris Johnson como líder do partido Conservador e novo primeiro-ministro, o risco de o Reino Unido sair da União Europeia sem qualquer acordo (um Brexit sem acordo) aumentou", indica a Moody's numa nota de análise divulgada nesta terça-feira..A Moody's prossegue que, apesar de Boris Johnson ter dito que tenciona negociar uma saída com acordo da UE até àquela data, sinalizou que vai estar preparado para a saída do Reino Unido sem um acordo, caso não seja possível alcançar um até ao final de outubro.."A nossa perspetiva continua a ser a de que um Brexit sem acordo teria efeitos negativos significativos ao nível das condições de crédito para o Reino Unido [dívida soberana] e para os emissores relacionados com o país", indica a Moody's..A agência de rating recorda que, desde o desfecho do referendo que ditou a saída do Reino Unido da UE em 2016, o seu cenário-base tem sido de que haveria um acordo, "preservando muitas das características dos atuais acordos comerciais"..Contudo, a Moody's salienta que, apesar de ter aumentado a probabilidade de uma saída sem acordo, "falta um apoio maioritário no Parlamento".."É claro que não existe uma maioria no Parlamento britânico para um Brexit sem acordo, mas o simples facto de a maioria dos membros do Parlamento estarem contra esse resultado, isso não significa que será evitado", indica a agência de rating. A Moody's recorda que a UE também disse que o acordo de saída negociado com a anterior líder britânica não mudará..De Donald Trump a Jeremy Corbyn.As reações à eleição de Boris Johnson como líder dos tories foram as mais desencontradas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou o Twitter para felicitar o homem que em tempos o chamou de "surpreendentemente ignorante". "Parabéns a Boris Johnson por se tornar o novo primeiro-ministro. Ele será ótimo!".Mais tarde, o presidente norte-americano disse que os britânicos estavam a chamar a Boris o "Trump britânico". "As pessoas dizem que isso é uma coisa boa, que eles gostam de mim lá. Que é o que queriam. Que é isso que eles precisam", disse Trump a um grupo de jovens..A primeira-ministra cessante Theresa May também lhe deu os parabéns e prometeu dar-lhe apoio. E defendeu que é necessário "um Brexit que funcione para o Reino Unido no seu todo e manter Jeremy Corbyn fora do governo"..Já o líder da oposição, que não felicitou Boris Johnson, destacou o facto de este ter "recebido o apoio de menos de cem mil membros do Partido Conservador com a promessa de cortar impostos para os mais ricos, apresentando-se como amigo dos banqueiros e a fazer pressão para um prejudicial Brexit sem acordo". E na mensagem seguinte, Jeremy Corbyn escreveu: "O povo deste país deve decidir quem deve ser o próximo primeiro-ministro através de eleições.".O deputado trabalhista John McDonnell preferiu atacar a qualidade do discurso de Boris Johnson, "dolorosa e embaraçosamente desanimador. Foi como um mal preparado discurso depois do jantar no clube de golfe local.".A futura presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, recebida no Palácio do Eliseu por Emmanuel Macron, reconheceu que ambos terão "muitos e difíceis assuntos para tratar juntos", em "tempos desafiantes". "É muito importante criar uma forte e boa relação de trabalho porque temos o dever de apresentar um resultado bom para os povos da Europa e do Reino Unido", disse a dirigente alemã..Já o presidente francês, Emmanuel Macron, aproveitou para deixar uma palavra de agradecimento a Theresa May e disse estar entusiasmado por vir a trabalhar com Boris Johnson, não só nas questões europeias e nas negociações ligadas ao Brexit mas também sobre as questões de segurança internacional, como é o caso do Irão..O chefe das negociações entre a Comissão Europeia e o Reino Unido, Michel Barnier, disse estar ansioso por trabalhar "de forma construtiva" para facilitar a ratificação do acordo de saída e lembrou que Bruxelas está aberta a trabalhar numa nova declaração sobre as relações futuras (mas não sobre o acordo nem sobre o mecanismo de salvaguarda, ou backstop)..O ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Javad Zarif, também deu os parabéns ao futuro primeiro-ministro, numa mensagem em que acusa o governo de May de "pirataria" por ter apresado um petroleiro iraniano. "O Irão não procura o conflito. Mas temos 1500 milhas de costa no golfo Pérsico. Essas águas são nossas e vamos protegê-las", afirmou..O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, também saudou Boris Johnson e disse esperar o reforço das relações turco-britânicas. "Acredito que as relações entre a Turquia e o Reino Unido vão florescer ainda mais durante esta nova era", escreveu no Twitter o líder da Turquia. Boris Johnson tem origens turcas, pela parte da família do pai..O caminho para a vitória.No dia 23 de maio, aprisionada a um acordo do Brexit com Bruxelas que o Parlamento britânico reprovou por três vezes, Theresa May anunciou a saída. A corrida à sua sucessão levou à apresentação de 11 candidaturas, mas a única que defendia um novo referendo, a de Sam Gyimah, desistiu antes da primeira ronda de votações. Os restantes dez candidatos, todos a favor do Brexit, dividiram-se apenas na fórmula de saída: Boris Johnson, Esther McVey. Dominic Raab e Sajid Javid são adeptos de uma saída com ou sem acordo até 31 de outubro, enquanto Jeremy Hunt, Matt Hancock, Mark Harper, Rory Stewart e Andrea Leadsom defenderam uma saída negociada..De 13 a 20 de junho, durante as votações levadas a cabo entre os 313 deputados conservadores, o antigo mayor de Londres ficou sempre à frente: 114 votos na primeira ronda, 126 na segunda, 143 na terceira, 157 na quarta e 162 na quinta e última, na qual Jeremy Hunt foi escolhido como o seu adversário, ao recolher 77 votos, mais dois do que Michael Gove. Depois, a palavra foi dada aos 160 mil militantes, que tiveram até segunda-feira para votar..Boris Johnson, de 55 anos, tem um longo historial de controvérsias, escândalos e gafes, que o Daily Mirror resumiu em 37 casos. O antigo correspondente em Bruxelas - onde contribuiu de forma decisiva, com mentiras e meias verdades, para criar uma narrativa contra a burocracia das instituições europeias - é agora a voz da retirada do Reino Unido da UE a todo o custo.."Estamos a preparar-nos para sair em 31 de outubro. Venha o que vier. É matar ou morrer", disse, ao mesmo tempo que deixa no ar a ameaça de não pagar à UE o valor do acordo de saída, 39 mil milhões de euros. "Acho que deveria haver uma ambiguidade criativa sobre quando e como isso será pago." Já o seu adversário, Jeremy Hunt, atual ministro dos Negócios Estrangeiros, mostrou-se mais comedido, ao defender a saída com acordo.