Parlamento rejeita eleições e aprova lei para travar No Deal Brexit

Deputados britânicos aprovam proposta de lei para evitar No Deal Brexit a 31 de outubro e rejeitam moção para eleições antecipadas apresentada pelo primeiro-ministro conservador
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Boris Johnson voltou esta noite à câmara dos Comuns para apresentar uma moção a solicitar que os deputados votem a favor da convocação de eleições legislativas antecipadas no Reino Unido. Saiu derrotado. 298 deputados votaram contra a sua moção, 56 votaram a favor. Boris não conseguiu a maioria necessária de 434 deputados, ou seja, dois terços dos eleitos da câmara dos Comuns.

"Só há uma forma de levar este país para a frente. A câmara votou, repetidamente, para sair da UE, mas também votou para atrasar essa saída. Hoje, receio, votou para arruinar quaisquer hipóteses de negociação séria", declarou o primeiro-ministro britânico e líder do Partido Conservador, entre gritos de "Não há nenhumas" vindos da oposição, referindo-se à proposta de lei que os deputados acabavam de aprovar em terceira leitura. A chamada lei Benn, que agora sobe à câmara dos Lordes, visa legislar no sentido de travar um No Deal Brexit a 31 de outubro.

"O país deve decidir se vou eu ou o líder da oposição a Bruxelas para resolver isto. Se for eu o primeiro-ministro, tentarei ter um acordo. E acredito que posso consegui-lo. No entender deste governo, deve agora haver eleições a 15 de outubro", sublinhou Boris Johnson. Essa data é o dia a seguir ao regresso do Parlamento - após a suspensão - e ao discurso da Rainha Isabel II. E dois antes do Conselho Europeu, previsto para os dias 17 e 18 de outubro.

Respondendo ao desafio do chefe do governo conservador, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, reiterou o que já dissera antes: primeiro assegura-se que a lei Benn entra em vigor, antes da suspensão do Parlamento, depois sim eleições antecipadas. Isto para evitar que haja eleições e, mesmo assim, um No Deal Brexit a 31 de outubro.

"Este primeiro-ministro diz que tem uma estratégia, mas não é capaz de nos dizer, nem a nós nem à UE, qual é ela. Não há nada. Nada. Se tem um plano para o Brexit, deve pô-lo perante o público, quer seja num [segundo] referendo ou em eleições legislativas", declarou o líder da oposição trabalhista. "A verdade é que esta moção deste primeiro-ministro serve para jogar um jogo que é indigno desse cargo. É uma jogada cínica que vem de um primeiro-ministro cínico", acrescentou Corbyn.

A moção de Boris Johnson surgiu depois de os deputados britânicos terem aprovado esta quarta-feira à tarde, em segunda e em terceira leitura, a chamada proposta de lei Benn, no sentido de legislar para travar um No Deal Brexit a 31 de outubro, forçando o governo, se preciso for, a pedir um novo adiamento do Brexit à UE27. Na segunda leitura, 329 deputados votaram a favor, 300 votaram contra. Na terceira leitura, 327 votaram a favor e 299 contra.

Esta votação acontece um dia depois de a câmara dos Comuns ter conseguido arrebatar ao governo o controlo da agenda parlamentar, por 328 votos a favor e 301 contra. Isto depois de 21 deputados rebeldes do Partido Conservador se terem unido à oposição, participando agora nos trabalhos da câmara dos Comuns como independentes. Um deles passou-se mesmo para a bancada dos liberais-democratas como forma de protestar contra Boris Johnson. Isto enquanto o primeiro-ministro discursava.

Os deputados anti-No Deal Brexit e o primeiro-ministro britânico estão numa luta contrarrelógio antes da suspensão do Parlamento. Esta foi solicitada por Boris Johnson e aprovada pela Rainda Isabel II. Deverá começar entre 9 e 12 de setembro. E terminar a 14 de outubro com o tradicional discurso da monarca perante o Parlamento de Westmister, que deve marcar o início de uma nova legislatura.

Os críticos do chefe do governo conservador sofreram hoje um duro revés ao ver o Tribunal de Edimburgo, na Escócia, decidir que a ação do governo "não viola a lei", porque o poder de suspender a Câmara dos Comuns "é um poder reservado ao Executivo". Esta quinta-feira será apreciada, em Londres, outra ação legal, submetida por Gina Miller (que em 2017 recorreu aos tribunais para forçar o governo a consultar o Parlamento para ativar o Artigo 50.º do Tratado de LIsboa).

A aprovação da proposta de lei Benn (o nome vem do deputado que encabeça os subscritores, o trabalhista Hillary Benn) foi feita em segunda e terceira leitura, depois de votadas também emendas. A lei para travar um No Deal Brexit sobe agora à câmara dos Lordes para a próxima fase.

Aí, segue-se uma nova luta. Os Lordes conservadores apresentaram 92 emendas e estabeleceram como prazo para debatê-las esta quinta-feira. Fontes do governo, citadas pelo Politico.eu, indicaram que esses lordes vão tentar forçar dois votos por cada uma das emendas. O processo está longe de terminado. Segundo a BBC, pode ir, no limite, até domingo, véspera da suspensão do Parlamento.

Assim, tendo Boris dito esta terça-feira no Parlamento que vai cumprir a lei Benn se ela for aprovada por esse mesmo Parlamento, se a sua moção for chumbada esta noite e se a oposição também não apresentar uma moção de censura para fazer cair o seu governo, o primeiro-ministro ficará com três opções:

1 - conseguir de facto uma alternativa ao backstop, aceitável para britânicos, irlandeses e UE27, tendo realmente um novo acordo sobre o Brexit para submeter a votação no Parlamento quando este regressar da suspensão a 14 de outubro; segundo uma emenda apresentada por Stephen Kinnock - e aprovada na quarta-feira à noite no meio do caos - se o primeiro-ministro tiver que pedir uma extensão do Artigo 50.º , pode fazê-lo para que uma nova versão do acordo negociado entre Theresa May e a UE27 seja votado. Problema: já foi rejeitado três vezes por causa do ponto do backstop. Esta emenda foi aprovada, ao que tudo indica, por engano, uma vez que não tendo havido nenhum deputado a oferecer-se para contar os votos pelo "Não", o "Sim" ganhou automaticamente;

2 - pedir uma nova extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa à UE27, até 31 de janeiro de 2020, no Conselho Europeu de 17 e 18 de outubro, organizando depois eleições antecipadas, como defende o Labour. Problema: Boris disse terça-feira que nunca o fará, muito menos obrigado pelo Parlamento. Na UE27 alguns países poderão não estar disponíveis para viabilizar mais um adiamento - o terceiro - do Brexit;

3 - demitir-se do cargo de primeiro-ministro, para não ter de sofrer a humilhação de pedir um adiamento do Brexit à U27, dando lugar a outro líder conservador ou a um governo de unidade nacional. Esse, sim, poderia pedir uma extensão do Artigo 50.º, com o objetivo de se realizarem novas eleições ou de se realizar um segundo referendo sobre o Brexit. No limite, o Reino Unido pode sempre desativar o Artigo 50.º, cancelando o Brexit. Mas isso iria contra o resultado do referendo de 2016 e seria, tal como a suspensão do Parlamento, classificado como medida antidemocrática.

Claro que, se a lei Benn não conseguir passar por todos os procedimentos necessários antes de o Parlamento ser suspenso, ficará sem efeito. Morta. E tudo voltará à estaca zero. Inclusivamente, regressará, como hipótese, o cenário de No Deal Brexit a 31 de outubro.

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