"Se o líder da Câmara [Jacob Rees-Mogg] quer eleições no dia 12 de dezembro poderá explicar à câmara qual foi o propósito do Discurso da Rainha?" A pergunta do deputado liberal democrata Tom Brake sintetiza o estado da política no Reino Unido. O Discurso da Rainha, que resume as prioridades governamentais, foi proferido no dia 14 e discutido entretanto, tendo sido interrompido com a apresentação do acordo alcançado entre o governo e Bruxelas. Nesta quinta-feira a discussão do Discurso chegou ao fim com a sua aprovação, com uma margem de 16 votos. A segunda vitória de Boris Johnson na Câmara dos Comuns acabou abafada com o anúncio de que o primeiro-ministro iria pedir eleições antecipadas..Após uma reunião com a equipa governamental, Johnson disse que iria apresentar na segunda-feira uma moção ao parlamento com o objetivo de convocar eleições gerais no dia 12 de dezembro. "Com franqueza, chegou a altura de a oposição reunir coragem para se submeter ao julgamento do nosso chefe coletivo, o povo", disse à Sky News..Ao líder da oposição, Jeremy Corbyn, Johnson escreveu uma carta a explicar porque quer um escrutínio neste momento. "Estes reiterados adiamentos têm sido maus para a economia, maus para os negócios e maus para milhões de pessoas que tentam planear o futuro. Se o setor empresarial presumir que este parlamento vai manter-se paralisado e que recuse assumir responsabilidades mês após mês até 2020 isso irá causar sofrimento a milhões de pessoas", lê-se na carta. "É nosso dever acabar com este pesadelo e dar ao país uma solução o quanto antes e o mais razoável possível.".A proposta do líder conservador implicaria a dissolução da câmara no dia 6 de novembro. Até lá o governo irá "disponibilizar todo o tempo possível para o acordo de retirada ser discutido e votado, incluindo sextas-feiras, fins de semana" e em horário alargado..França bate o pé.Esta proposta parte do princípio de que o Conselho Europeu oferece mais uma extensão ao prazo de retirada do Reino Unido. Foi nesse sentido que o presidente do Conselho, Donald Tusk, se pronunciou, bem como o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli. No entanto, até quinta-feira à noite reinava a incerteza sobre que decisão iria tomar Bruxelas. Horas antes corria a existência de um consenso entre a UE 27 numa extensão em dois tempos: extensão até 15 de novembro, automaticamente renovada até 31 de janeiro se o acordo de retirada não for ratificado até então. Mais uma vez, Paris mostrou-se renitente a conceder mais uma extensão, sem que do lado de Londres haja clareza, tendo o pedido de eleições baralhado ainda mais as contas.."A França não fez um ultimato ao Reino Unido. O que nós queremos é clareza", disse a ministra da Europa em entrevista à RTL. O nosso trabalho não é fazer ultimatos nem confrontação. A questão é saber porque vamos dar mais tempo, porque o tempo por si só não é solução. Se houver um cenário claro que mude as coisas, por exemplo ratificação ou eleições - não sugeridas mas organizadas -, então podemos tomar decisões. Esperemos até saber se vai haver eleições antes de fazermos ficção política", explicou Amélie de Montchalin..Segundo o correspondente da BBC em Bruxelas, Adam Fleming, o atual rascunho sobre a decisão da extensão tem reticências no lugar da data..De acordo com a legislação britânica aprovada em 2011, o Fixed-term Parliaments Act, o primeiro-ministro só pode convocar eleições com a concordância de dois terços dos 650 deputados da Câmara dos Comuns. Já por duas ocasiões, no início de setembro, as tentativas do primeiro-ministro foram rejeitadas pelo Partido Trabalhista..Trabalhistas divididos.O Labour não recebeu a proposta de Boris Johnson em sintonia. A ala esquerdista Momentum, pró-Corbyn, reagiu no Twitter a desejar eleições de imediato. "Se a moção passar vamos ter a hipótese de transformar de forma positiva este país para muitos. Nós dizemos: venham elas!", disse o grupo fundado por Jon Lansman..Mas vários deputados trabalhistas manifestaram-se de imediato contra as eleições neste momento, relacionadas com o debate e a aprovação do acordo..Jeremy Corbyn tem dito que só concorda com eleições depois que o perigo de um Brexit sem acordo esteja afastado. Um cenário que não é impossível se os deputados aprovarem a moção das eleições antecipadas e o acordo de retirada não for votado de forma favorável até ao momento em que a assembleia é dissolvida. Sem acordo nem deputados em funções, a extensão poderia não ser suficiente para prevenir uma saída por defeito, isto é, sem acordo..O trabalhista voltou a dizê-lo ao final da tarde, após uma reunião com outros dirigentes do partido. "Tenho estado a pedir eleições porque o país precisa de um acordo para lidar com os temas de injustiça social, mas a saída sem acordo tem de ser afastada da mesa." Depois disse que iria estar atento ao outro lado do Canal. "Amanhã a União Europeia vai decidir se vai ou não haver extensão. Essa extensão vai obviamente abranger se há ou não um no-deal. Vamos descobrir isso amanhã e amanhã posso responder à questão. Não estamos a resistir à hipótese de eleições", concluiu..Entretanto Corbyn deu indicações aos deputados de que podem abster-se na moção de segunda-feira. Se os deputados alinharem a moção não irá passar..Jeremy Corbyn tem de pesar os prós e os contras da decisão. Se a moção passar e o acordo for aprovado, Boris Johnson apresenta-se a eleições triunfante, ainda que tenha falhado a sua promessa de conseguir o Brexit até 31 de outubro e de "preferir morrer numa vala do que pedir um adiamento". Se Corbyn continuar a bloquear qualquer solução, Boris Johnson vai vitimizar-se e enveredar num discurso do povo contra os deputados..Um discurso que alimenta os perigos do extremismo quando uma sondagem demonstra que altas percentagens de eleitores defendem o recurso à violência contra os deputados como preço a pagar para que o seu desejo sobre o Brexit se concretize. Um dos diretores da sondagem realizada pelas universidades de Cardiff e de Edimburgo mostrou-se "genuinamente chocado" com os resultados. Os eurocéticos mostraram mais propensão para a violência contra os deputados (71% em Inglaterra, 60% na Escócia e 70% em Gales), mas ainda assim elevadas percentagens de europeístas (58% em Inglaterra, 53% na Escócia e 56% em Gales) partilham o sentimento..Oposição dividida, governo em greve.Além dos trabalhistas, também os liberais democratas recusaram dar um cheque eleitoral em branco. "Boris Johnson está a tentar desviar a atenção do fracasso do seu governo", disse a líder Jo Swinson em comunicado. "Boris Johnson não cumpriu o seu prazo para 'fazer ou morrer' e está agora a exigir que o parlamento lhe dê eleições e o tempo necessário para forçar o seu projeto de lei sem o devido escrutínio. Os liberais democratas não apoiam qualquer eleição até que fique claro que podemos evitar a saída sem acordo.".A chefe do governo da Escócia e líder dos nacionalistas do SNP não fez a coisa por menos, classificando Boris Johnson de "charlatão". "Então Johnson parece estar a dizer aos deputados 'se votarem a favor de eleições, trarei de volta a minha má lei do Brexit e tentarei arrastar-nos para fora da UE antes de irmos às urnas'. As eleições devem ser um exercício para deixar os eleitores decidir, e não dispositivos para os charlatães fazerem o que querem.".Além do SNP, também os nacionalistas galeses e os Verdes anunciaram que estão contra as eleições. "O risco de saída sem acordo permanece. Enquanto o alçapão do acordo de retirada não for emendado ainda podemos sair sem acordo se nenhuma relação futura for negociada até ao final da transição, em dezembro de 2020", lembra a deputada verde Caroline Lucas..Perante o cenário de Boris Johnson não levar avante a sua moção para eleições antecipadas, um porta-voz do primeiro-ministro afirmou que o governo "entraria em greve". "Nada será apresentado ao parlamento, a não ser o mínimo necessário", disse. Outra fonte do número 10 acrescentou que o governo responderá retirando a lei do acordo de saída se os deputados recusarem a sua agenda. Em vez disso irão "fazer campanha em cada momento e em cada oportunidade para eleições".