Antigo aluno da prestigiada Eton, onde conheceu o ex-primeiro-ministro David Cameron, e formado em Oxford, onde presidiu à Oxford Union Society, Boris Johnson carrega a imagem de menino rico que gosta de cultivar o lado excêntrico. Em 2004, o então deputado por Henley garantia alto e bom som que as suas hipóteses de ser primeiro-ministro eram "tão grandes como as de encontrar Elvis em Marte ou de eu reencarnar numa azeitona"..Passados 15 anos, esse dia pode estar mais perto do que Boris imaginava na altura. O homem que começou a carreira de jornalista no The Times e que ganhou fama como correspondente em Bruxelas do The Daily Telegraph, que foi deputado, presidente da Câmara de Londres e que todos davam como sucessor mais do que provável de Cameron depois da demissão deste na sequência da vitória do Brexit no referendo de junho de 2016 até ele desistir da corrida, que foi chefe da diplomacia de Theresa May mas que acabou por saltar fora, é agora apresentado como o grande favorito à sucessão da primeira-ministra que deixou a liderança dos tories no dia 7..O prazo para apresentação de candidaturas à liderança do Partido Conservador terminou ontem e são 10 os nomes que até final de julho vão disputar um cargo que lhe garante também a chefia do governo e a dor de cabeça de lidar com o Brexit. Andrea Leadsom, 56 anos, antiga rival de May na corrida à liderança dos tories em 2016 cuja saída da liderança da Câmara dos Comuns foi a estocada final no executivo; Dominic Raab, 45 anos, filho de um judeu checo, karateca e pugilista, e ex-ministro dos Brexit; Esther McVey, 51 anos, antiga apresentadora de TV e dona do discurso mais radical sobre o Brexit; Jeremy Hunt, 52 anos, atual ministro dos Negócios Estrangeiros e visto como o rosto da continuidade; Mark Harper, 49 anos, defensor da permanência na UE e visto como outsider; Matt Hancock, 40 anos, ministro da Saúde; Michael Gove, 51 anos, ministro do Ambiente, defensor do acordo de May com a UE (aquele que os deputados britânicos chumbaram três vezes) e grande rival de Boris; Rory Stewart, 46 anos, atual secretário do Desenvolvimento Internacional e defensor de "uma saída pragmática"; Sajid Javid, 49 anos, ministro do Interior, filho de um motorista de autocarro paquistanês e empenhado em levar o Brexit a bom porto; e Boris, claro..Aos 54 anos, Alexander Boris de Pfeffel Johnson arrisca-se a ser o seu pior adversário. Alvo de um processo por ter mentido durante a campanha para o referendo de 2016, o homem que foi presidente da Câmara de Londres entre 2008 e 2016 respirou de alívio na sexta-feira ao saber que os juízes do Supremo Tribunal contrariaram a decisão da primeira instância que dera provimento ao caso de má conduta em cargos públicos..O homem que promete uma saída do Reino Unido da União Europeia no dia 31 de outubro, com ou sem acordo, nasceu em Nova Iorque, onde o pai estava a estudar Economia na Universidade de Colúmbia. Descendente de ingleses, franceses, russos e turcos, em 2008 contou ao mundo a história da sua trisavó, uma escrava circassiana comprada pelo trisavô turco.."Não é vergonha nenhuma. O meu trisavô não era um proprietário de escravos, foi apenas um libertador", garantiu Johnson na altura. Acusado pelos trabalhistas de ser "um grã-fino presunçoso", explicava ao The Observer pertencer à "classe média e orgulhoso de o ser"..Descendente de turcos, Johnson garante que o seu trisavô comprou uma escrava circassiana com quem acabou por se casar, libertando-a dessa forma. Os circassianos são um povo do Cáucaso cujas mulheres eram conhecidas pela sua beleza. O tráfico de circassianos atingiu o pico quando estes fugiram das suas terras na orla do mar Negro para a Turquia em meados do século XIX, devido à guerra com os vizinhos russos..Se esta história não foi confirmada, certo é que o bisavô de Boris era Ali Kemal, um jornalista que fez parte do governo do último grã-vizir do Império Otomano. Kemal e a mulher imigraram para o Reino Unido em 1910..Brexiteer desde a primeira hora.Fervoroso defensor do Brexit desde o primeiro momento, Boris Johnson fez campanha pela saída no referendo. Famoso por não ter papas na língua, é muitas vezes comparado ao presidente Donald Trump - seu grande apoiante nesta corrida. Esse feitio difícil, se pode ser visto como uma desvantagem, faz também parte do charme da personagem que Boris foi criando ao longo dos anos..Para os seus críticos, Boris Johnson seria capaz de dizer tudo e o seu contrário para chegar aos seus objetivos. Nas palavras de Michael Heseltine, ele próprio derrotado por John Major na corrida à liderança dos conservadores em 1990, Boris espera "sempre para ver para que lado vai a multidão antes de se lançar para lá"..Afinal ninguém estava à espera da sua vitória frente a Ken Livingstone nas eleições para mayor de Londres. Red Ken, como era conhecido o trabalhista, estava à frente dos destinos da capital desde os anos 1980, primeiro como líder do Greater London Council, depois como mayor. Na muito liberal Londres, Boris mostrou que conseguiu ter apelo mesmo junto de eleitores de esquerda..O seu legado pode não ser consensual, mas o gosto de Boris por estar no centro das atenções manteve Londres nas manchetes dos jornais - fosse por organizar os Jogos Olímpicos de 2012 - e ficar pendurado ao tentar deslizar por um slide, com uma bandeira britânica em cada mão, durante o evento - ou por aparecer de capacete numa das bicicletas partilhadas que depressa ganharam o nome de Boris Bikes..Recusando apresentar-se a um terceiro mandato como mayor, Boris concentrou-se então no Brexit, prometendo "defender o Vote Leave porque quero um acordo melhor para o povo deste país, para poupar dinheiro e assumir o controlo". Durante a campanha, fez muitas declarações que hoje são vistas como mentiras - como quando afirmou que o Reino Unido pagava 350 milhões de libras por semana para a UE - um dinheiro que os brexiteers garantiam poder ser usado antes para financiar o NHS - o serviço nacional de saúde britânico..A bordo do seu autocarro de campanha, Boris percorreu o país a garantir que as políticas de imigração da UE tornavam o Reino Unido menos seguro e que com o Brexit Londres voltaria a assumir o controlo das suas fronteiras..Com a vitória do Brexit no referendo e a demissão de Cameron, muitos viram ali uma oportunidade para Boris chegar a primeiro-ministro. Mas quando Michael Gove avançou, numa clara traição, a sua candidatura implodiu. Theresa May venceria a corrida à liderança dos tories e tornava-se primeira-ministra, oferendo a Boris um presente envenenado: o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Em julho, acabou por se demitir, não sem antes se ter envolvido numa polémica com um ministro italiano por causa da importação de prosecco depois do Brexit..Agora, de novo na corrida à liderança dos tories, não só é o favorito como é visto por muitos como o único capaz de resolver o imbróglio do Brexit. Talvez por ser capaz de dizer uma coisa e o seu contrário, talvez por conhecer como ninguém os meandros de Bruxelas..A maldição do favorito.Para tal, terá de garantir que desta vez o favorito vence mesmo. É que os tories são conhecidos por raramente escolherem o candidato que parece ter mais hipóteses para líder. Já falámos de Michael Heseltine, visto como imbatível após a demissão de Thatcher mas derrotado pelo pouco conhecido Major depois de uma pouco feliz sessão fotográfica na sua casa de campo, mas a própria Thatcher em 1975 derrotara o hiperfavorito Edward Heath. E o jovem Cameron em 2005 surpreendeu ao derrotar David Davis, muito graças a um discurso em que pediu à nova geração de conservadores para o acompanharem numa "jornada maravilhosa"..O processo para a sucessão de May começou ontem com a apresentação dos nomes dos candidatos. O Comité 1922, que reúne todos os deputados que não têm um cargo no governo, é o responsável pela organização das eleições..Cada candidato tem de ter o apoio de pelo menos dois deputados conservadores para poder entrar na corrida. Se houver mais do que dois candidatos, são efetuadas sucessivas rondas de votação entre os deputados dos tories até só restarem dois, que são depois postos à consideração dos militantes do partido..Sucessivas rondas de votação vão decorrer até só restarem dois candidatos, que irão a votos entre todos os membros do partido", segundo os responsáveis do Comité 1922. "Esperamos que esse processo fique concluído no final de junho, permitindo uma série de iniciativas em todo o Reino Unido para que os membros conservadores se reúnam e questionem os candidatos, e depois votem a tempo de anunciar o resultado antes de o Parlamento ir para férias", acrescentaram..Mas a decisão pode até nem ser dos militantes. Theresa May, por exemplo, chegou à liderança dos tories depois da demissão de David Cameron. Havia vários candidatos à sucessão, mas após as rondas de votação entre os deputados, a sua adversária final, Andrea Leadsom, optou por desistir da corrida. Caso este cenário se repita, o nome do futuro primeiro-ministro ou primeira-ministra será conhecido muito antes do prazo dado pelo Comité 1922.