Nero governou catorze anos. O incêndio de Roma marcou-lhe a governação e, ainda que não seja definitiva e comprovada a sua responsabilidade, os relatos de Tácito revelam que o imperador cantava e tocava lira enquanto a capital do império ardia. Encontrou nos cristãos o bode expiatório e mandou persegui-los. Era tido como violento e desequilibrado. Mandou matar a própria mãe, Agripina. "Lulaboy", para além de nome de canção de artistas vários, dos Cure a Billy Joel, é nome dado a género cancioneiro em si: canção suave cantada às crianças para adormecerem..No Brasil 2018, um partido (o PT de Fernando Haddad, Lula e Dilma) prepara-se para um sono profundo, depois de um dia de brincadeiras que durou catorze anos e em que fez de tudo, do muito bom - que já ninguém parece querer lembrar-se - ao muito mau - que todos mencionam e muitos pretendem castigar. Um partido que também governou catorze anos..No Brasil 2018, um imperador dos tempos modernos prepara-se para governar. É desequilibrado e belicoso, diz disparates sem nome e faz ameaças de tudo mudar, mas por aqui uma maioria não liga muito ou, quando liga, ou o desprezam (serão certamente menos de metade no país continente) ou são com ele condescendentes - um pouco ao jeito da fatura a pagar - porque é de maior significado o desejo de mudança..No Brasil 2018, Fernando Haddad, o "poste" de Lula, "Lulaboy", que até pode ganhar as eleições deste domingo (embora nada nas sondagens aponte para isso), que é um académico, homem educado e até ponderado, com trabalho importante feito como ministro da Educação, tem tanto de político e de capacidade para empolgar massas como este escriba de conhecimentos de "cultura da beterraba em meio hídrico não alcalino", para citar o saudoso mestre António Jorge Branco. No entanto, Haddad consegue um resultado que até surpreende, mantendo à tona de água parlamentar (maior grupo na Câmara dos Deputados agora e segundo em breve, quando os deputados de partidos nanicos se juntarem à bancada do partido do presidente vencedor) um Partido dos Trabalhadores cuja soberba mereceria um castigo maior..A ideia romantizada que existe na Europa, e mais concretamente em Portugal, sobre Lula e o PT, não existe por aqui, no Brasil, de uma forma geral. Os brasileiros estão fartos do PT, da corrupção e da falta de capacidade do partido para assumir os erros cometidos. Dizer que isso é coisa da direita ou da media é não ter noção da realidade. Sim, admitamos que a perspetiva até pode mudar quando se vive numa favela (mas Bolsonaro conseguiu excelentes resultados em muitas delas), quando se saiu da pobreza absoluta (a que já terão voltado seis ou sete dos trinta e cinco milhões que dela saíram nos anos dourados da governação petista) ou quando se é do partido porque sim, como não se é do outro porque não..A gigantesca, endémica e estrutural corrupção, a crise económica num país onde abundam os recursos, para além da violência sem precedentes (65 mil homicídios por ano), que determina, de facto, a forma como os brasileiros vivem a vida e usufruem dos espaços públicos, poderão ser os fatores que mais vão influenciar os brasileiros na hora de votar..Ainda que seja para eleger um misógino, racista (exemplos que justifiquem o rótulo há muitos), propagador de discurso do ódio, alguém que parece mais disposto a submeter instituições do que a elas se submeter, adepto confesso da ditadura e de quem, em nome dela, torturou..Não, votar num ou noutro não é a mesma coisa (e nunca poderá ser se quisermos continuar a acreditar em sociedades livres, socialmente justas e abertas, mas segunda-feira é dia para o PT começar a pensar em tudo o que fez e permitiu que se fizesse, arrepiando caminho e adotando práticas de transparência que, inevitavelmente, terão custos eleitorais significativos no curto prazo. Mas é a única forma de demonstrar que percebeu o porquê de tantos milhões de brasileiros terem votado num homem como Jair Bolsonero - perdão, Bolsonaro. E que este se saiba rodear de gente capaz, civilizada, respeitadora da Constituição e livre de uma retórica antidemocrática, que até pode render os votos dos que desejam a mudança, mas não rende o respeito dos que anseiam por um bom governo. Que seja o bombeiro de que o Brasil precisa e não o imperador incendiário que aparenta ser. Que subitamente respeite a democracia, as instituições e as minorias. E a oposição, já agora, em vez de continuar a dizer: "Ou vai para fora ou vai para a cadeia, esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria." Que em vez da "limpeza nunca vista" que anunciou, consiga limpar o próprio cérebro..Não sou crente. Mas há sempre o mar em Copacabana, os pastéis de costela na Rua do Ouvidor, o samba no Carioca da Gema, o Flamengo-Palmeiras no Maracanã. Que aceitem o resultado, ganhe quem ganhar. Senão, o Brasil já perdeu. E vai arder..Jornalista e enviado especial da TSF ao Rio de Janeiro
Nero governou catorze anos. O incêndio de Roma marcou-lhe a governação e, ainda que não seja definitiva e comprovada a sua responsabilidade, os relatos de Tácito revelam que o imperador cantava e tocava lira enquanto a capital do império ardia. Encontrou nos cristãos o bode expiatório e mandou persegui-los. Era tido como violento e desequilibrado. Mandou matar a própria mãe, Agripina. "Lulaboy", para além de nome de canção de artistas vários, dos Cure a Billy Joel, é nome dado a género cancioneiro em si: canção suave cantada às crianças para adormecerem..No Brasil 2018, um partido (o PT de Fernando Haddad, Lula e Dilma) prepara-se para um sono profundo, depois de um dia de brincadeiras que durou catorze anos e em que fez de tudo, do muito bom - que já ninguém parece querer lembrar-se - ao muito mau - que todos mencionam e muitos pretendem castigar. Um partido que também governou catorze anos..No Brasil 2018, um imperador dos tempos modernos prepara-se para governar. É desequilibrado e belicoso, diz disparates sem nome e faz ameaças de tudo mudar, mas por aqui uma maioria não liga muito ou, quando liga, ou o desprezam (serão certamente menos de metade no país continente) ou são com ele condescendentes - um pouco ao jeito da fatura a pagar - porque é de maior significado o desejo de mudança..No Brasil 2018, Fernando Haddad, o "poste" de Lula, "Lulaboy", que até pode ganhar as eleições deste domingo (embora nada nas sondagens aponte para isso), que é um académico, homem educado e até ponderado, com trabalho importante feito como ministro da Educação, tem tanto de político e de capacidade para empolgar massas como este escriba de conhecimentos de "cultura da beterraba em meio hídrico não alcalino", para citar o saudoso mestre António Jorge Branco. No entanto, Haddad consegue um resultado que até surpreende, mantendo à tona de água parlamentar (maior grupo na Câmara dos Deputados agora e segundo em breve, quando os deputados de partidos nanicos se juntarem à bancada do partido do presidente vencedor) um Partido dos Trabalhadores cuja soberba mereceria um castigo maior..A ideia romantizada que existe na Europa, e mais concretamente em Portugal, sobre Lula e o PT, não existe por aqui, no Brasil, de uma forma geral. Os brasileiros estão fartos do PT, da corrupção e da falta de capacidade do partido para assumir os erros cometidos. Dizer que isso é coisa da direita ou da media é não ter noção da realidade. Sim, admitamos que a perspetiva até pode mudar quando se vive numa favela (mas Bolsonaro conseguiu excelentes resultados em muitas delas), quando se saiu da pobreza absoluta (a que já terão voltado seis ou sete dos trinta e cinco milhões que dela saíram nos anos dourados da governação petista) ou quando se é do partido porque sim, como não se é do outro porque não..A gigantesca, endémica e estrutural corrupção, a crise económica num país onde abundam os recursos, para além da violência sem precedentes (65 mil homicídios por ano), que determina, de facto, a forma como os brasileiros vivem a vida e usufruem dos espaços públicos, poderão ser os fatores que mais vão influenciar os brasileiros na hora de votar..Ainda que seja para eleger um misógino, racista (exemplos que justifiquem o rótulo há muitos), propagador de discurso do ódio, alguém que parece mais disposto a submeter instituições do que a elas se submeter, adepto confesso da ditadura e de quem, em nome dela, torturou..Não, votar num ou noutro não é a mesma coisa (e nunca poderá ser se quisermos continuar a acreditar em sociedades livres, socialmente justas e abertas, mas segunda-feira é dia para o PT começar a pensar em tudo o que fez e permitiu que se fizesse, arrepiando caminho e adotando práticas de transparência que, inevitavelmente, terão custos eleitorais significativos no curto prazo. Mas é a única forma de demonstrar que percebeu o porquê de tantos milhões de brasileiros terem votado num homem como Jair Bolsonero - perdão, Bolsonaro. E que este se saiba rodear de gente capaz, civilizada, respeitadora da Constituição e livre de uma retórica antidemocrática, que até pode render os votos dos que desejam a mudança, mas não rende o respeito dos que anseiam por um bom governo. Que seja o bombeiro de que o Brasil precisa e não o imperador incendiário que aparenta ser. Que subitamente respeite a democracia, as instituições e as minorias. E a oposição, já agora, em vez de continuar a dizer: "Ou vai para fora ou vai para a cadeia, esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria." Que em vez da "limpeza nunca vista" que anunciou, consiga limpar o próprio cérebro..Não sou crente. Mas há sempre o mar em Copacabana, os pastéis de costela na Rua do Ouvidor, o samba no Carioca da Gema, o Flamengo-Palmeiras no Maracanã. Que aceitem o resultado, ganhe quem ganhar. Senão, o Brasil já perdeu. E vai arder..Jornalista e enviado especial da TSF ao Rio de Janeiro