Bolsonaro partilha fake news para atacar imprensa. E volta a falar-se de impeachment

Presidente usa conteúdo manipulado por <em>site</em> de apoiantes para acusar jornalista de parcialidade no escândalo de lavagem de dinheiro que envolve o filho mais velho. E menos de uma semana depois do "golden shower" volta a falar-se em falta de decoro e na possibilidade de sua destituição.
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O Twitter de Jair Bolsonaro voltou a causar uma tempestade política no Brasil. O presidente da República usou o seu perfil na rede social para partilhar o conteúdo de um site de apoiantes seus em que supostamente uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo dizia numa entrevista que pretende arruinar Flávio Bolsonaro, o seu filho mais velho envolvido em caso de suspeita de lavagem de dinheiro, e o governo por si liderado. Na gravação, no entanto, não só a jornalista não afirma o que lhe é atribuído como a edição da entrevista revela manipulações. Associações de imprensa e colunistas já responsabilizaram Bolsonaro por eventuais ataques à profissional em causa. E um juiz, sob anonimato, afirma que depois do caso "Golden Shower" há, mais uma vez, matéria para impeachment por falta de decoro.

Bolsonaro escreveu por volta das 21.00 de domingo (meia-noite, no horário de Lisboa), que "Constança Rezende, do 'O Estado de SP' diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otávio, profissional de 'O Globo'. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos".

Em anexo, partilha a publicação do site Terça Livre , que reúne ativistas conservadores e simpatizantes da família Bolsonaro, repercutindo publicação anterior feita numa página em francês. Segundo a notícia do site, redigida por uma assessora de um deputado do PSL, o partido de Bolsonaro, a denúncia teria sido efetuada por um jornalista gaulês, Jawad Rhalib, após conversa gravada, em inglês, com Rezende.

Na gravação, no entanto, ela diz apenas que "o caso pode comprometer" e "está arruinando Bolsonaro" sem relacionar o seu trabalho a qualquer intenção nesse sentido. A ferramenta de verificação de dados de O Estado de S. Paulo notou ainda que a gravação tem frases manipuladas e pausas inexplicáveis. A mesma conclusão a que chegou a "Agência Lupa", ferramenta de verificação contratada pelo concorrente Folha de S. Paulo.

A repórter afirma, entretanto, que jamais falou com Rhalib e que a conversa em causa é extraída de uma entrevista pedida por Alex McAllister, um suposto estudante norte-americano interessado em estabelecer paralelos entre Bolsonaro e Donald Trump.

Jornalistas de dezenas de veículos brasileiros manifestaram-se entretanto em solidariedade com Constança Rezende e o seu pai, ambos citados no tweet de Bolsonaro. Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, o presidente revela "descompromisso com a verdade dos factos" e "usa a sua posição de poder para tentar intimidar veículos e jornalistas". Para o jornalista e blogger Leonardo Sakamotto, "Bolsonaro torna-se responsável por qualquer agressão a Constança Rezende". Em reportagem da revista Carta Capital, um juiz, sob anonimato, diz que tal como no caso "Golden Shower", quando o presidente partilhou um vídeo de conteúdo pornográfico, esta situação também é passível de impeachment por "falta de decoro".

O tema em causa na gravação manipulada da jornalista de O Estado de S. Paulo começou por ser noticiado por um outro repórter do jornal ainda em dezembro do ano passado. Um assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro quando este exercia funções de deputado estadual no Rio de Janeiro fez "transferências atípicas" de quantias elevadas ao longo de um ano, segundo a autoridade brasileira de controlo de operações financeiras. Uma delas para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Como parte dos assessores de Flávio exerciam outras profissões e jamais foram vistos na Assembleia Legislativa do Rio, a suspeita é de "mensalinho" - esse assessores ficavam com uma percentagem do dinheiro público que lhes era pago, devolvendo o resto ao tal assessor principal, chamado Fabrício Queiroz e amigo de 30 anos de Jair Bolsonaro.

A guerra de Bolsonaro contra a imprensa, entretanto, começou logo após a vitória eleitoral. Os principais visados, no entanto, foram o Grupo Globo e o Grupo Folha, que editam os dois principais concorrentes de O Estado de S. Paulo. Este, de perfil mais conservador e muito crítico em relação a Lula da Silva e Dilma Rousseff, embora não tenha apoiado abertamente a candidatura vencedora das eleições, publicou editorial no dia da votação a afirmar que o Brasil ficaria "pior do que a Venezuela", caso Fernando Haddad, do PT, fosse eleito.

Em São Paulo

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