Com ligação de quase 50 anos ao Brasil, o académico norte-americano James Naylor Green, líder do grupo de especialistas em história brasileira que elaborou um dossiê de 32 páginas sobre a situação política do país já nas mãos de Deb Haaland, a nova secretária de estado do interior norte-americana, considera Jair Bolsonaro "um presidente internacionalmente isolado"..O professor titular de História Latino Americana na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, atribui à Amazónia, sobretudo, as razões desse isolamento. "A questão mais importante do documento, na minha opinião, é a da Amazônia, nomeadamente o desflorestamento da selva amazónica, e as preocupações com o meio ambiente", destaca, num português com sotaque brasileiro perfeito, em entrevista pela aplicação Whatsapp ao DN..O documento em causa, intitulado "Recomendações sobre o Brasil para o presidente Biden e o novo governo dos Estados Unidos", foi assinado pelos 1500 professores de 235 universidades de 45 estados americanos membros da Rede nos Estados Unidos pela Democracia do Brasil, movimento criado por Green quando ele e outros académicos sentiram necessidade, em dezembro de 2016, logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, de extrapolar os limites dos campus e chamar a atenção do Congresso americano sobre a realidade brasileira.."Para o Governo Biden a Amazônia é uma questão muito importante, ele está muito preocupado com o tema do aquecimento global, mencionou-o no segundo debate da campanha eleitoral, e quer fazer do foco nesse assunto uma parte relevante da sua administração", continua o académico de 70 anos. O novo presidente norte-americano nomeou, aliás, um peso pesado, o ex-secretário de estado e ex-candidato presidencial John Kerry, para a pasta.."Um outro sinal de que o assunto é importante é que, logo após entregarmos o documento, o vice-presidente General Hamilton Mourão se reuniu com o embaixador norte-americano, Todd Chapman, e fez saber que o Governo Bolsonaro está preocupado com a imagem internacional do Brasil nesse assunto", sublinha Green..À saída desse encontro a que Green alude, o vice-presidente brasileiro disse à imprensa que o país "quer mostrar o que está fazendo, abrindo esse diálogo via embaixada para deixar claro que temos condições de prestar todas as informações que forem necessárias prestar". O embaixador confirmou, na ocasiçao, que a conversa abordou muitos temas "mas, claro, sobretudo os relacionados ao meio ambiente, porque, realmente, a administração do novo presidente Biden está enfatizando muito a importância da mudança climática"..Mas nas 32 páginas do documento a tese do isolamento de Bolsonaro é sustentada por questões que vão além do Meio Ambiente - o autoritarismo e o combate (ou falta dele) à pandemia também são citados. "Desde a eleição, nota-se um isolamento internacional de Bolsonaro por ser uma pessoa autoritária, homofóbica, misógina, sem preocupações democráticas".."O facto de Biden não ter feito nenhuma iniciativa no sentido de se aproximar de Bolsonaro é sinal desse isolamento: as relações esfriaram", afirma. "E Bolsonaro está cada vez mais isolado também porque não tem feito nada para combater a covid 19 e Biden está a encarar com muito vigor a questão do vírus"."Demonstrando-se autoritário, despreocupado com questões democráticas, incapaz de lidar com o covid 19, emitindo declarações assustadoras sobre a ditadura militar ou sobre invasão de territórios indígenas demarcados e indiferente ao meio ambiente, graças a uma aliança com o agronegócio que incentiva o desmatamento, é inevitável esse isolamento internacional", resume..O dossiê cita também a morte da vereadora Marielle Franco como exemplo de criminalização dos movimentos sociais no Brasil. E sugere, por outro lado, que "a administração Biden-Harris abra todos os arquivos confidenciais dos Estados Unidos relacionados à ditadura militar brasileira (1964-85), a fim de promover a memória, a verdade e a justiça e todas as ações necessárias para determinar o destino ou o paradeiro das vítimas de desaparecimentos"..O acordo entre Donald Trump e Jair Bolsonaro para abertura de uma agência espacial brasileira em Alcântara, no estado do Maranhão, é ainda citado. "A administração Biden-Harris deve rejeitar firmemente qualquer envolvimento militar na colaboração espacial com o Brasil"..Para Green, o documento tem sido favoravelmente acolhido, nos Estados Unidos e em algumas esferas do Brasil. Mas o líder da Rede nos Estados Unidos pela Democracia do Brasil espera reações negativas da embaixada brasileira e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um dos maiores expoentes da ala chamada de ideológica do governo. "Se isso, de facto, acontecer, vamos responder", assegura o professor de História Latino Americana na Universidade de Brown..A ligação de James Green com o Brasil, entretanto, data da década de 70. "Eu comecei a relacionar-me com o Brasil em 1973, aos 22 anos, participando num grupo em Washington que denunciou, em frente à embaixada brasileira, a tortura do governo militar", recorda.."Depois, morei no país entre 1976 e 1982, quando participei do movimento contra a ditadura, estudei na Universidade de São Paulo e fui um dos fundadores do movimento LGBT brasileiro".."Ao voltar para os Estados Unidos, fui para a UCLA, Universidade de Los Angeles, onde fiz doutorado [em América Latina, com especialização em Brasil] e me tornei professor titular na Universidade de Brown, substituindo o lendário brasilianista Thomas Skidmore, mantendo relações com o Brasil de 48 anos, com intensa ligação académica ao Brasil, com três monografias e mais três livros, todos publicados em inglês e português, sobre ditadura militar e questões LGBT".