Convencer Paulo Guedes, reputado economista, e Sergio Moro, símbolo da luta contra a corrupção, a integrar o governo são os pontos fortes do primeiro mês de gestão, ainda oficiosa, de Jair Bolsonaro, o presidente eleito do Brasil no dia 28 de outubro, de acordo com Carlos Pereira, cientista político e professor da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas, da faculdade Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro. Preocupam, porém, além das nomeações de ministros com pensamento "retrógrado", como o da educação, o aparente desprezo pelo Congresso Nacional e pelos partidos manifestado por Bolsonaro. "Ele está a apostar tudo na popularidade, é um risco", diz Carlos Pereira ao DN..Qual o lado mais positivo do primeiro mês de Bolsonaro como presidente eleito?.Foi capaz de montar uma equipa de ministros de qualidade, como Sergio Moro, principal referência do combate à corrupção no Brasil que decidiu abrir mão de uma carreira na magistratura para se juntar ao governo, ou Paulo Guedes, outro quadro de grande reputação na área económica. E soube delegar poderes, tanto um, Moro, como outro, Guedes, terão superministérios para gerir, essa lógica de delegação de poderes parece positiva..E o lado mais negativo?.O lado, não sei se negativo, chamemos-lhe "preocupante", é talvez a estratégia de relacionamento com o Congresso. Na minha opinião, ele tem uma interpretação equivocada do presidencialismo de coligação [expressão usada no Brasil para classificar o sistema político presidencialista do país que, dada a fragmentação do Congresso em 30 partidos, se torna quase parlamentarista], associando-o apenas a corrupção e ao "toma lá, dá cá" entre poderes executivo e legislativo..Mas não atender religiosamente às exigências dos partidos, como os seus antecessores, não é positivo?.É um risco. Independentemente dessa prática do "toma lá, dá cá" ter ou não uma carga negativa, toda a estrutura da política brasileira é ancorada nos partidos, são eles que determinam os presidentes e os vice-presidentes das comissões parlamentares, que dão urgência às votações, que bloqueiam as votações. Enfim, Bolsonaro, ao ignorar os partidos e ao preferir negociar com as bancadas suprapartidárias [conjunto de deputados de diversos partidos alinhados numa frente comum de defesa de um lobby], arrisca muito. Dá a entender que vai tentar governar mantendo uma conexão direta com a sociedade, o chamado going public, na literatura americana sobre o termo..Um pouco como Donald Trump, nos Estados Unidos?.Como Donald Trump, nos Estados Unidos, mas também, e agora vai entender porque eu falo tanto em risco, como Collor de Mello, no Brasil. Collor começou por governar diretamente para o povo e chamando o Congresso de "obstáculo", ora, enquanto tinha ainda o brilho das urnas, o Congresso acatou, ao primeiro caso de corrupção e sinal de enfraquecimento esse mesmo Congresso disse "vai-te catar" [o primeiro presidente eleito após a redemocratização foi alvo de impeachment]. O risco, como se vê, não é trivial..Bolsonaro está a apostar alto na sua popularidade?.Ele está a ficar muito dependente do seu capital político, enquanto durar a lua-de-mel, o estado de graça, neste primeiro momento fica com a imagem de presidente muito assertivo, muito atuante, mas quando for perdendo força política e popularidade, porque terá de votar reformas muito impopulares, a da previdência e a tributária, vai entender que precisa de se ancorar nos partidos. E ele podia tê-lo feito: as urnas foram muito generosas com ele, deram-lhe uma base expressiva e homogénea no Congresso. Criar animosidade com o Congresso tem sempre a governabilidade como custo..O fim do Mais Médicos [acordo com Cuba que levara cerca de nove mil clínicos do país caribenho para atender em áreas pobres e remotas do Brasil] é prejudicial a prazo, quando se esgotar a tal lua-de-mel?.Vamos ver, o impacto maior foi agora no governo de Michel Temer mas como o ministro da Educação cessante disse que em torno de 90% das vagas deixadas em aberto pelos cubanos podem vir a ser ocupadas por brasileiros, talvez não tenha tanto impacto..E a nomeação de ministros, digamos, mais ideológicos, como o das Relações Exteriores, que vê globalismo e marxismo cultural no mundo, ou o da Educação, que quer devolver valores cristãos e conservadores às escolas?.Aí Bolsonaro só está a ser consistente com o que prometeu em campanha. Os eleitores sabiam que votavam em alguém conservador, talvez até a palavra adequada seja "retrógrado". Bolsonaro tem valores atrasados em questões de género ou de opções sexuais, logo se ele escolhe alguém retrógrado, por exemplo, para o Ministério da Educação, temos de ter a consciência de que foi a população brasileira que desejou isso.