Nos últimos dias de 2019, o governo espalhou que Jair Bolsonaro investiu oito milhões de reais em viagens no seu primeiro ano no cargo, enquanto Dilma Rousseff, em 2014, gastara 483 milhões..Os disseminadores dessas notícias finalizavam-nas com os seus bordões preferidos - "vamos deixar o povo julgar" e "tire as suas próprias conclusões"..Na verdade, compararam coisas diferentes: os custos das viagens apenas de Bolsonaro, por um lado, com o total de custos de todos os funcionários do governo de Dilma, por outro. Assim, segundo o Portal da Transparência, em 2014 o Estado gastou, de facto, os tais 483 milhões, e em 2019, sob Bolsonaro, consumiu 421..Mas os "bolsominions", como na gíria local são chamados os apoiantes de Bolsonaro, já tinham julgado e tirado as suas próprias conclusões, conforme lhes fora mandado..O termo "bolsominion" deriva dos Minions, o pequeno exército de seres amarelos (conhecido por Mínimos em Portugal), que serve nos filmes de animação Despicable Me (no Brasil chamam-lhe Meu Malvado Favorito e em Portugal O Mal Disposto) os terríveis projetos do anti-herói Gru..Esses "bolsominons" vêm exercendo um compreensível fascínio académico: quem são eles e por que motivo apoiam um ex-capitão, com carreira militar pouco recomendável, um ex-deputado, com prestação parlamentar medíocre, um presidente, com discurso grotesco e ligações ao submundo das milícias?.Um estudo, coordenado pela socióloga Isabela Kalil, mapeou 16 perfis diferentes de bolsominions. Eis um resumo, livre, de alguns deles..Há o "periférico de direita", eleitor de escassos rendimentos dos subúrbios das grandes cidades que, nalguns casos, chegou mesmo a trocar o PT e Lula da Silva por Bolsonaro, motivado sobretudo pela crise económica gerada pelos governos Dilma..Existe o autodenominado "cidadão de bem", normalmente do género masculino, branco e casado, fanático da Operação Lava-Jato e adepto do conceito de meritocracia mesmo num dos países mais desiguais e injustos do mundo..Há o "raiz", ou seja, aquele que defende, de facto, um recuo para a ditadura militar, a tortura e a censura, mas também há o "pragmático", aquele que transfere a sua fé sobretudo para Paulo Guedes, o ultraliberal ministro da Economia que quer privatizar tudo..Menção, por outro lado, para os "machões e bolsogatas", que assustados com os avanços da questão de género e do feminismo nos últimos anos, através de músculos e curvas pacientemente cultivados nas "academias", encontraram no discurso do capitão uma espécie de retorno à normalidade. Um retorno que cativa também os "evangélicos neopentecostais", representados pelo presidente na defesa da "família tradicional", da "cura gay" e de outros valores conservadores..Registo ainda para a fundamental faixa dos "nerds, haters, hackers e gamers", alguns em postos no alto comando do bolsonarismo, que criaram na campanha eleitoral a personagem "Mito" associada ao líder e vão alimentando os outros "bolsominions" de memes infantis e notícias falsas que os transportam para uma espécie de realidade paralela..Os sentimentos que os movem a todos são o ódio - ao diferente e ao fraco, por exemplo -, o medo - do comunismo e da globalização, por exemplo - e o ressentimento - do mundo académico, intelectual, jornalístico e artístico, por exemplo..Todos os "bolsominions" têm certezas simples para problemas complexos: a direita representa prosperidade e a esquerda, pobreza; Lula é ladrão; bandido bom é bandido morto; os artistas são de esquerda por causa dos subsídios do Estado; só o Estado mínimo salva..E, em contrapartida, dúvidas perturbadoras sobre verdades comprovadas: existe mesmo aquecimento global? A Terra é, de facto, redonda? Quem foi Darwin?.Por isso, os "bolsominions", apesar de desprezarem minorias, tornaram-se ironicamente eles próprios uma minoria - segundo as sondagens cada vez menor - desprezada pelas elites, digamos, bem pensantes..Ninguém, no entanto, despreza tanto a inteligência dos "bolsominions" como o próprio Bolsonaro e o seu entorno - aquela notícia dos gastos com viagens foi só a última prova.