Bolsonaristas ferrenhos são cada vez menos e cada vez mais radicais
Os adeptos mais ferozes de Jair Bolsonaro nas redes sociais, considerados essenciais na campanha para a sua eleição, está a diminuir - são as sondagens de todos os institutos de pesquisa que o afirmam. E, em paralelo, estão a radicalizar-se, ao ponto da maioria até criticar o presidente por não estar a ser fiel às políticas de (extrema) direita prometidas - são as pesquisas realizadas por académicos que o dizem.
Comecemos pela matemática: sondagem da CNT-MDA de fevereiro, cumprido o primeiro mês de mandato, revelava 19% de opiniões negativas do governo; segundo as 2002 entrevistas dos dias 22 a 25 de agosto, em 137 municípios brasileiros, com margem de erro de 2,2%, os descontentes com o executivo são agora 39,5%, um aumento de mais de 20 pontos em cerca de seis meses.
A avaliação do próprio chefe de estado caiu, por sua vez, 16,5%. Em fevereiro, 57,5% ainda aprovavam o recem eleito presidente da República; em agosto, apenas 41%. Os que desaprovavam subiram, entretanto, 25,5% pontos de então para cá.
No entanto, a faixa de eleitores que se pretende aqui analisar é a dos que consideram o desempenho do governo "ótimo", ou seja, os seus mais fiéis apoiantes, os bolsonaristas convictos ou, na versão pejorativa, os bolsominions, num jogo de palavras com o nome em inglês dos "mínimos", o exército de seres amarelos que trabalha para o malvado Gru, personagem de animação dos filmes "Gru, O Mal Disposto".
Esses hoje não passam de 8%, ainda de acordo com aquela sondagem.
Mas, claro, que essa sondagem, como outras pesquisas de opinião, ou como qualquer organismo ou indivíduo que represente uma notícia desagradável a Bolsonaro será imediatamente desacreditada nas tais redes sociais que sustentaram a candidatura do então capitão do exército e deputado de baixo clero e derrubaram os concorrentes com muito mais tempo de antena televisivo.
E isso leva-nos do primeiro ponto - são cada vez menos - ao segundo: estão a ficar cada vez mais radicalizados.
David Nemer, professor titular e pesquisador no Departamento de Estudos de Media na Universidade da Virgínia, especialista em Antropologia da Informática e autor do livro "Favela Digital: O outro lado da tecnologia", esteve por quase um ano inserido em quatro grupos de WhatsApp de apoiantes de Bolsonaro para entender o seu funcionamento. Ele aceitou contar ao DN parte da pesquisa.
"A maior parte dos membros desses grupos, durante as eleições, estava preocupado em ter acesso a conteúdo que pudesse reafirmar o apoio deles ao Bolsonaro assim como promover o candidato em outros grupos de WhatsApp e usar esses conteúdos para discutir com pessoas que votariam em outros candidatos, como o candidato do PT, Fernando Haddad".
Com a eleição de Bolsonaro (e derrota de Haddad) consumada, parte desses membros saiu dos grupos. "Até porque eles são extremamente ativos: na época das eleições, em quatro grupos, eu recebia em torno de 100 mensagens por dia", diz Nemer.
Segundo o pesquisador, esses grupos, formados em pirâmide - em cima, os influenciadores, responsáveis por manipular e falsificar notícias, depois os apoiantes mais fanáticos, que as propagam para um exército de trolls, que, então, as espalham de vez pelos brasileiros comuns, causando mais impacto do que a media tradicional. Daí, uma das explicações para Bolsonaro, mesmo com oito segundos apenas de tempo de antena televisivo, ter obtido dez vezes mais votos do que Geraldo Alckmin, de centro-direita, que dispôs de cinco minutos.
Da eleição para cá, entretanto, esses quatro grupos onde Nemer se inseriu dividiram-se em dez. Porque quem votou em Bolsonaro fê-lo por motivações diferentes - às vezes inconciliáveis.
"Ele prometeu um governo economicamente liberal [representado por Paulo Guedes, ministro da economia], uma maior presença do exército [representada por cerca de 130 militares no governo], obedecer à ideologia de Olavo de Carvalho [o guru intelectual da nova direita brasileira], ser fiel às demandas do neo-pentecostalismo evangélico [cuja ministra dos direitos humanos Damares Alves é uma das figuras mais destacadas] e de braço dado com a extrema-direita [representada pelo seu filho Eduardo Bolsonaro]".
Ora esses novos grupos tendem a ser mais radicais e a atacar Bolsonaro... pela direita. "Essa radicalização passa por acabar com o que chamam de "legado do PT" a qualquer custo já que o objetivo do PT, segundo eles, é implementar o comunismo no país e para eles, comunismo significa corrupção e Fernando Henrique Cardoso também [antecessor de Lula e ilitante do PSDB de centro-direita] faz parte desse complot comunista", diz Nemer.
"Por outro lado, esses grupos repudiam os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), porque acham que eles se identificam com a ideologia do PT - o seu maior medo é que o julgamento de Lula seja anulado - e porque a corte criminalizou a homofobia e o reconheceu civilmente pessoas transgénero".
Nemer, entretanto, identificou e batizou o mais radical dos grupos como "supremacista social". "Os seus membros estão menos interessados nos atos políticos diários do governo e mais no discurso de extrema-direita promovido pelo presidente e pelo seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro", diz. "Eduardo promove a sua retórica usando técnicas condizentes com a propaganda de extrema-direita americana (...) os supremacistas sociais compartilham conteúdo pró-armas, racistas, anti-LGBT, antissemita e anti-Nordeste", escreveu o pesquisador em artigo publicado no site The Intercept.
Por falar em The Intercept, o fundador do site Glenn Greenwald, cujas reportagens conhecidas como Vaza-Jato abalaram a imagem da Operação Lava-Jato, foi uma das vítimas dos ataques individualizados do grupo. Não só ele mas também Dias Toffoli, presidente do STF, Luciano Huck, apresentador de TV presidenciável em 2022, Alexandre Frota, deputado dissidente do partido do presidente, ou Emmanuel Macron, chefe de estado francês, por exemplo. "Eles consideraram até Marine Le Pen comunista pois ela criticou Bolsonaro durante as eleições", lembra Nemer.
"Eles fazem o mesmo com os media quando os acusa de fake news. Assim que alguém ouse romper ou criticar Bolsonaro e o seu governo, os ataques são intensos e sistemáticos para que não haja espaço para algo coloque o governo em perigo ou descrédito: um exemplo recente disso são os serviços pagos que impulsionaram hashtags contra Organizações Não Governamentais na Amazónia e a favor do ministro do meio ambiente Ricardo Salles. Cerca de 1% dos perfis foi responsável por mais de 20% das publicações com as tags que chegaram aos assuntos mais comentados no Twitter".