Boicote às presidenciais russas de 2018? Khodorkovsky contra e Kasparov a favor

Criticam Vladimir Putin, vivem os dois fora da Rússia e têm 54 anos. Ontem, na Web Summit, em Lisboa, o ex-líder da Yukos e o ex-campeão do mundo de xadrez defenderam posições diferentes quanto às presidenciais de março
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Têm a mesma idade, 54 anos, vivem ambos fora da Rússia, de onde saíram em 2013, um depois de passar dez anos preso, outro por temer perseguição política. Os dois criticam o regime liderado pelo presidente Vladimir Putin, defendem a necessidade de uma sociedade mais livre, mais esclarecida e mais democrática. Apesar disso, Mikhail Khodorkovsky e Garry Kasparov, que estiveram ontem em Lisboa, a participar na Web Summit, diferem na atitude a adotar pela oposição e pelos russos em geral em relação às presidenciais de 2018. O ex-dono da petrolífera Yukos, que chegou a ser o homem mais rico da Rússia e acabou por ser expropriado, é contra um boicote das eleições, pois acha que isso é ter um comportamento passivo quando o que é preciso é uma atitude ativa. O ex-campeão do mundo de xadrez, que foi derrotado pelo computador Deep Blue a 11 de maio de 1997, é a favor de um boicote da votação e, ao contrário do seu compatriota, não vê nele um sinal de passividade.

"Não apoio um boicote passivo das eleições. Se pedirmos um boicote, isso seriam votos que se perderiam e seria algo que não produziria um impacto suficiente. Queremos que as pessoas sejam ativas, que votem num candidato que achem bem, que não seja Putin, mas se não houver nenhum candidato que lhes agrade, então que escrevam lá no boletim de voto o nome de alguém de quem gostam. Bem sei que isso não vai impedir Putin ou quem quer que ele designe de ganhar as eleições, mas vai servir para as pessoas marcarem uma posição", disse Khodorkovsky, em conferência de imprensa. Falando em russo, não escondendo a emoção e alguma ansiedade, o ex-oligarca respondeu aos jornalistas acreditados na Web Summit (tal como Garry Kasparov).

"Vivo na Suíça há um ano e vejo como a democracia direta funciona. Mesmo. Mas para funcionar a sociedade tem de ser educada. Para as pessoas poderem processar informação sozinhas elas precisam saber como fazê-lo. Não acho que uma multidão, não preocupada, que está mal informada, seja democracia só por ser uma multidão", declarou o ex-líder da Yukos, quando questionado porque é que, apesar de todas as acusações, tanta gente continua a gostar de Putin. "Após tantos anos de Putin, as pessoas esqueceram-se de que é possível outra coisa", afirmou, especificando o trabalho da Open Russia, organização que relançou em 2014. "Trabalhamos pela educação política que incentiva a participar em eleições municipais, pela defesa dos direitos humanos através de todos os métodos possíveis, pela informação da sociedade. Os media ligados a Putin, não é tanto que divulguem factos falsos, mas sim interpretações limitadas e simples, que 80% das pessoas aceitam sem qualquer sentido crítico."

Acusado de crimes como evasão fiscal e fraude, Khodorkovsky foi preso em 2003 num aeroporto da Sibéria e libertado dez anos depois. Putin sempre disse que a sua detenção não tinha motivações políticas e resultava simplesmente de processos judiciais. No dia 20 de dezembro de 2013, o presidente russo perdoou-o, invocando razões humanitárias relacionadas com a doença da mãe do ex-oligarca. Esta morreu em 2014. Crucial terá sido a mediação de Hans-Dietrich Genscher, político alemão liberal e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da RFA. Na altura falou-se também do desejo de Putin em limpar a imagem da Rússia antes dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi em fevereiro de 2014. Questionado sobre como é que o Mundial de Futebol, que decorre na Rússia em junho-julho 2018, poderia ser usado para pressionar, Khodorkovsky foi evasivo. Defendeu apenas sanções contra alvos específicos e não gerais. "Essas não são úteis pois são contra a Rússia, as pessoas sentem-se cercadas e, em consequência disso, unem-se em torno do líder. Sanções úteis são as dirigidas aos que estão a roubar o povo russo. Isso tem influência porque o círculo próximo de Putin deve ser impedido de usar a riqueza que quer usar. E isso cria uma tensão interna."

Ao contrário do ex-oligarca, Garry Kasparov não vê como "algo passivo o boicote às eleições [previstas para 18 de março de 2018]". Apelidando a votação de farsa, o ex-campeão do mundo de xadrez e atual embaixador da Avast (empresa checa de antivírus) afirmou que "o boicote é algo ativo". Confessando-se admirador de figuras como Steve Jobs e Winston Churchill, Kasparov referiu que se todos os políticos fossem do calibre do britânico "Putin nunca estaria no poder". A viver atualmente em Nova Iorque, o homem que foi batido por um computador e pensa que a inteligência artificial tanto facilita a vida dos humanos como lhes cria problemas explica, entre risos, que "no xadrez as regras estão definidas, mas os resultados são imprevisíveis. No caso de Putin acontece o contrário".

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