Bispo: "Dormir descansado é o melhor barómetro do sucesso"

O <em>rapper</em> de Algueirão-Mem Martins estreia-se finalmente por uma grande editora com <em>Mais Antigo,</em> um álbum que o confirma como uma das maiores estrelas do <em>hip hop</em> nacional, como as plataformas digitais de música já há muito anunciavam.
Publicado a
Atualizado a

Os números falam por si, com mais de trezentas mil audições por mês no Spotify, mais de 160 mil seguidores no YouTube e quase outros tantos no Instagram, Pedro Bispo há muito que é um dos mais populares artistas da nova vaga do hip hop nacional. E, tal como tantos outros da sua geração, foi nas plataformas digitais e nas redes socais que se deu a conhecer, numa total inversão do que até há alguns anos era a norma da indústria musical, atualmente com cada vez menos intermediários entre os artistas e o público.

O que também facilita a vida às grandes editoras, como se vê pelo caso de Bispo, que aos 28 anos edita finalmente por uma multinacional, depois de já ter passado por alguns dos maiores palcos nacionais, como o MEO Sudoeste. Chama-se Mais Antigo e é já o segundo álbum de originais do rapper de Algueirão-Mem Martins, que começou a escrever e a fazer música logo no início da adolescência, influenciado pelos discos de Sam the Kid e Mind da Gap, apenas para contar uma história, a sua.

Como o continua a fazer neste Mais Antigo, um álbum bem escrito e bem produzido, de grande maturidade musical, para o qual chamou alguns amigos que também fazem parte dessa história, porque, como diz nesta entrevista ao DN, considera-se uma pessoa grata com tudo o que lhe tem acontecido.

Para um artista nascido e crescido no underground, que significado tem este disco, por ser o primeiro editado por uma multinacional?
Quis arriscar, para ver, por mim, se ia dar certo ou não, e estou bastante satisfeito com o que foi feito até aqui. Com este passo sinto que também estou a abrir caminho para outros artistas, além de que é um passo muito importante para mim, tanto a nível pessoal como a nível profissional.

Por vezes existe um certo preconceito por parte de alguns fãs mais puristas de hip hop, que alegam uma certa perda de identidade, quando os artistas dão o salto para uma grande editora. O que pensa sobre isso?
Só posso falar do meu exemplo. Cheguei a uma grande editora por aquilo que sou e por aquilo que represento e eles não tentaram mudar rigorosamente nada. Antes pelo contrário, a Sony apoia e confia na minha visão. Se algum ouvinte mais purista reparar qualquer mudança na minha música, isso deve-se unicamente a uma vontade de explorar e caminhar por outros trilhos.

Como analisa os enormes números de visualizações que tem nas plataformas digitais de música e os seguidores nas redes sociais? São um bom barómetro da popularidade de um artista?
São um bom indicador do sucesso e do alcance do nosso trabalho, mas não são tudo e não nos podemos guiar apenas por eles. Os números são sem dúvida um bom barómetro e são o que salta à vista do público em primeiro lugar, no entanto não significam que um artista seja necessariamente bom.

As redes sociais são também uma boa ferramenta de promoção, que permitiram que artistas mais underground, como era o seu caso, passassem a chegar a um maior público?
Exatamente. As redes sociais e as plataformas digitais vieram possibilitar a qualquer artista independente mostrar o seu trabalho ao mundo.

Qual é para si, então, o melhor barómetro do sucesso?
Dormir descansado.

Este é um álbum que parece ser muito pessoal, ao nível das palavras, das histórias que conta, sobre família, amigos, pessoas com quem se cruzou, acontecimentos que viveu. O que sente ao expor-se desta forma e o que o leva a fazê-lo?
É muito pessoal, sim. O álbum Mais Antigo é o resultado de todos os passos dados até ao seu lançamento. Sou eu. Isso inclui a minha família e os meus amigos, porque todos eles fazem parte de mim. Por um lado não gosto da exposição, o que não me prejudica na hora de criar, por outro faz-me sentir bem. É uma maneira de libertar os meus pensamentos e os meus sentimentos. Fazer música dá-me vida, completa-me.

É, portanto, importante para si, enquanto artista, falar na primeira pessoa?
Para mim o importante é fazer o que me faz bem, o que me faz sentir completo e realizado. Seja na primeira pessoa ou não.

Mas é um álbum que soa muito grato à sua família e aos seus amigos, concorda?

Concordo, mas não é só a eles que estou grato. Estou grato por tudo o que me tem acontecido, até às coisas más, porque me deixaram lições importantes e também contribuíram para esta minha melhor versão, agora presente no Mais Antigo.

Há também uma referência a Algueirão-Mem Martins, a terra onde cresceu, no tema Não Tou Sozinho, que importância têm as suas origens no artista que é? Como é que isso o influencia?
Essas referências existem no tema Não Tou Sozinho e também no Sem Limite. Ou melhor, na verdade há referências a Algueirão-Mem Martins em todos os temas, porque é algo que está presente em todas as minhas palavras. Foi onde nasci e cresci, onde perdi e venci, onde chorei e sorri, onde aprendi muitas das coisas que sei e onde criei laços que se mantêm até hoje e levarei para sempre comigo. Esteja onde estiver, a minha zona estará sempre em mim.

O que é que o levou para a música?
A paixão. Desde cedo me apercebi que a música me dava paz. Fosse qual fosse o meu estado de espírito, eu queria sempre ouvir música.

E como é que começou a fazer música?
Comecei a escrever com 11 anos, em 2003. A primeira música que gravei foi com o Piri, na casa de um vizinho, com um microfone de computador. Gravámos minuto a minuto, no gravador do computador, e depois o meu vizinho passou tudo para um CD. Escrevia todos os dias, nem que fossem apenas quatro frases sobre o sol. Lembro-me de ter feito uma letra para acalmar a minha mãe no dia em que o meu avô partiu. Confortei-a, apesar de também ter chorado o dobro. Ver um sorriso no meio daquelas lágrimas motivou-me. Vi que tinha jeito. Os Da Blazz também me inspiraram bastante. Eles tinham CD, tinham posters, tinham um videoclip a passar no canal Sol Music e tudo o que eles estavam a fazer nessa altura deu-me vida. Eram outras pessoas a contar a história delas e isso deu-me mais moral para também contar a minha. Além dos Da Blazz, tive acesso ao álbum Sobretudo, do Sam the Kid, e ao álbum A Verdade, dos Mind da Gap, que nessa altura também me fizeram bastante companhia. Disse então para mim mesmo que um dia também ia ter um álbum meu.

Alguns desses amigos de que falou estão presentes ao longo do disco, qual foi o critério da escolha e o que é que eles trouxeram ao álbum?
Todos os meus amigos estão presentes ao longo do disc Como digo no tema "Não tou sozinho": "os laços que fiz estão comigo em palco, mesmo que me vejas só a mim eles estão do meu lado". Neste caso, estão comigo no álbum. Em relação a participações, a pessoa que mais queria que fizesse parte, faz. O Piri. O primeiro som que gravei foi com ele, há 16 anos, para mim é um orgulho e uma honra poder contar com ele. E, tanto ele, como o Ivandro, primeiro artista da minha label Mentalidade Free, como o Deezy e todos aqueles que participam enriqueceram o Mais Antigo. Dinâmicos.

Como é que a recente situação de pandemia o afetou enquanto artista?
Afetou-me porque vi os concertos suspensos, adiados e cancelados, mas ao mesmo tempo tem-me enriquecido. Não me lembro da última vez que passei tanto tempo em casa e esta situação veio possibilitar isso. Estou a fortificar laços e a viver momentos únicos e mágicos em família.

Foi obrigado a criar novas rotinas de trabalho, de ensaio ou de composição?
Fui obrigado a adaptar-me mas, no fundo, é o que faço desde que me conheço. Adapto-me. A situação é nova mas a forma de a combater é a mesma, ser camaleão. Não é possível estar num palco a cantar para uma multidão? Então vamos dar um concerto a partir de casa, num direto no Instagram, para todos aqueles que queriam fazer parte dessa multidão e não podem.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt