Bigode a mais, policial a menos

Chega na próxima quinta-feira às salas portuguesas a nova adaptação do clássico de Agatha Christie.
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Exuberância, sumptuosidade e vácuo. Atravessamos tempos em que nem a adaptação de um policial resiste ao modelo de uma certa espetacularidade vã. Dito por outras palavras, estimula-se mais o olho do que se promove o envolvimento do espectador na dinâmica narrativa.

Este é o grande embaraço de Um Crime no Expresso do Oriente, de Kenneth Branagh, a nova adaptação do clássico de Agatha Christie, que se apoia num frágil tom de gravidade e expressão visual onerosa. É certo que não se pode ignorar as presenças de Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Johnny Depp, Penélope Cruz, Willem Dafoe, ou a cada vez mais bem-vinda Daisy Ridley.

Trata-se afinal de um elenco de "luxo", mais ou menos como era o da versão de Sidney Lumet. O problema é que nenhum deles tem margem performativa para expandir o contagiante mal-estar causado pelo facto de serem todos suspeitos de um crime que aconteceu no comboio... Por sua vez, Branagh, além de realizar, também interpreta a personagem de Hercule Poirot, mas não chega aos calcanhares de Albert Finney ou David Suchet. Na verdade, o bigode de que tanto se orgulha é só mesmo um reflexo do filme: a abundância sem consequências.

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Quando Lumet realizou o seu Um Crime no Expresso do Oriente (1974), o ar luxuoso da adaptação estava espelhado no elenco que colocava a bordo, fazendo valer a excentricidade e jogando com a própria carga simbólica dos atores. Lauren Bacall e Richard Widmark vinham do noir, Sean Connery era o homem das aventuras 007, Wendy Hiller era a lenda viva, e, entre outros ilustres, Ingrid Bergman preservava aquela ansiedade trágica que lhe valeu aqui o terceiro Óscar da carreira. Ainda nesse filme, o jogo da investigação era simultaneamente opressiva e divertida. Já dentro da pompa de Branagh, este jogo não só não encaixa como não existe.

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