Biden e Xi põem um travão na Guerra Fria
Foram três horas e meia de conversa que serviram para pôr um travão no deteriorar das relações entre os EUA e a China, apesar de a tensão que tem marcado a Guerra Fria entre ambos os países ter ficado patente na questão de Taiwan. Mesmo sem avanços concretos ou cedências, tanto o presidente norte-americano, Joe Biden, como o chinês, Xi Jinping, reconheceram no primeiro frente-a-frente (virtual por causa da pandemia de covid-19) a necessidade de construir consensos para evitar conflitos que podem ter repercussões em todo o mundo. E isso pode ser visto como progresso.
De acordo com o comunicado da Casa Branca, Biden reiterou no encontro que "os EUA se opõem fortemente aos esforços unilaterais de mudar o statu quo ou minar a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan" - Pequim reclama a soberania sobre a ilha de 23 milhões de habitantes, que não controla e que Washington apoia militarmente. Segundo os media oficiais chineses, Xi Jinping defendeu que a tensão na região se deve às tentativas das autoridades da ilha de procurarem o apoio dos EUA para a sua agenda independentista, assim como de alguns norte-americanos de usar Taiwan para atacar a China. "Tais jogadas são extremamente perigosas, tal como brincar com o fogo. E quem brinca com o fogo, queima-se", terá dito o líder chinês.
Xi insistiu na ideia de uma "reunificação pacífica", explicando que Pequim tem "paciência". Contudo, avisou que "se as forças separatistas pela "independência de Taiwan" nos provocarem, forçarem a nossa mão ou cruzarem a linha vermelha, seremos forçados a tomar medidas resolutas".
A relação entre Pequim e Washington começou a deteriorar rapidamente depois de o então presidente norte-americano Donald Trump ter imposto tarifas aos produtos chineses, em retaliação ao que considerava as práticas comerciais injustas da China. A situação não melhorou quando Biden chegou à Casa Branca, em janeiro deste ano, com o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken a defender em março que a China representa "o maior teste geopolítico do século XXI" para os EUA.
Na cimeira virtual com Xi, Biden defendeu que é responsabilidade de ambos "garantir que a concorrência entre os nossos países não se transforma em conflito, intencional ou não", admitindo que a forma como a relação bilateral evolui "terá um impacto profundo" não apenas entre China e os EUA "mas francamente, o resto do mundo". Biden disse que era preciso estabelecer "balizas de senso comum, ser claro e honesto no que não estamos de acordo, e trabalhar em conjunto onde os nossos interesses se cruzam", citando por exemplo as alterações climáticas.
Por seu lado, o líder chinês, que tratou Biden de "velho amigo" na intervenção inicial, defendeu que China e EUA "têm que aumentar a comunicação e a cooperação" e fez uma analogia com dois navios. "É importante que os dois lados mantenham uma mão firme no leme para que os dois navios gigantes cortem as ondas e avancem juntos, sem perder direção ou velocidade, e muito menos colidir um com o outro". Xi mostrou-se também ciente do impacto da relação além fronteiras: "Uma relação sólida e estável entre a China e os EUA é necessária para o avanço do desenvolvimento dos nossos dois países e para salvaguardar um ambiente internacional pacífico e estável", afirmou, referindo-se à necessidade de encontrar respostas efetivas para desafios globais como as alterações climáticas ou a pandemia.
Quanto às questões comerciais, Xi Jinping disse que "negócios são negócios, e questões económicas e comerciais entre a China e os EUA não devem ser politizadas". Ainda assim, abriu a porta a facilitar os vistos para os empresários norte-americanos, tornando mais fácil as suas viagens à China numa altura em que ainda há restrições por causa da covid-19. Já Biden, segundo o comunicado da Casa Branca, "deixou claro a necessidade de proteger os trabalhadores e indústrias norte-americanas das práticas económicas e comerciais injustas da China".
Outro dos temas que é motivo de tensão prende-se com os direitos humanos. Durante a cimeira, o presidente norte-americano "levantou preocupações" sobre a ação de Pequim em Xinjiang, numa referência à perseguição à minoria uigur, no Tibete e Hong Kong, onde em causa está a polémica lei de segurança, "assim como direitos humanos de uma forma geral". Em resposta, o presidente chinês terá dito que "a China está preparada para um diálogo sobre direitos humanos na base do respeito mútuo, mas opõe-se a usar os direitos humanos como um pretexto para se intrometer nos assuntos internos de outros países".