No dia em que governo, PS, BE, PCP e PEV alinharam argumentos muito idênticos para atacar as bancadas do PSD e CDS e para defender o caminho a seguir no próximo Orçamento do Estado, a divulgação de um texto do líder parlamentar comunista, João Oliveira, cheio de bicadas aos bloquistas foi uma patada no equilíbrio da geringonça..João Oliveira criticou no Avante!, órgão oficial do PCP, a forma como foi divulgado o novo imposto sobre património de luxo, num texto cujo título é "juntar com o bico e espalhar com as patas". "Uma ideia que podia vir a ser uma boa proposta fiscal foi imediatamente transformada num alvo de todo o tipo de bombardeamento especulativo", escreveu a abrir o comunista..Logo a seguir acrescentou que "ao anunciar a criação de um imposto cujos principais elementos estavam ainda em discussão - incluindo entre o PCP e o governo -, o BE procurou, uma vez mais, antecipar-se no anúncio de uma medida de forma a chamar a si os créditos pela aprovação daquilo que não depende apenas da sua vontade ou intervenção". O deputado rematou o artigo de opinião com aquilo que defende o PCP, usando uma das expressões populares a que recorre frequentemente (ele e Jerónimo de Sousa) para melhor retratar as suas críticas: "Ainda que às vezes pareça que andam uns a juntar com o bico e outros a espalhar com as patas...".Foi o próprio João Oliveira quem desvalorizou ao DN as críticas que fez no texto. "O que se quis dizer é aquilo que ali está, nada mais", explicou-se. Para logo acrescentar que "não há mal-estar com o BE"..Entre os bloquistas, ninguém quis comentar oficial ou oficiosamente o texto. Só João Semedo - que foi coordenador do partido e hoje não tem cargos dirigentes - assumiu ao DN que este caso não abrirá nenhuma brecha na maioria parlamentar de esquerda. "O estilo é recorrente e o texto não vale o incómodo sequer. Se abrir brechas, só se for entre o PCP e os seus eleitores que dificilmente compreenderão que João Oliveira tenha escolhido este momento para acrescentar a sua voz à gritaria da direita.".Não é de agora a tensão e competição entre os dois partidos. Quando depois das eleições legislativas de outubro de 2015 se desenhou uma solução à esquerda, a assinatura dos acordos entre PS, BE, PCP e PEV foi feita na mesma sala, mas sem qualquer foto de família. Cada um entrou à vez numa sala dos socialistas e não houve declaração conjunta. Mesmo os textos assinados entre o PS e BE e o PS e PCP (e PEV) têm conteúdos diferentes..É nessas "posições conjuntas" (o nome dado aos acordos) que socialistas e bloquistas acertaram a criação de grupos de trabalho sobre várias áreas e foi de um deles, o da política fiscal, que nasceu a proposta do imposto de património de luxo. O governo (e o PS) vai reunindo, também à vez com BE e PCP (e PEV) e concertando as posições entre todos, seja para o trabalho parlamentar, seja para o próximo Orçamento..No dia-a-dia, os choques são frequentes. Na noite das eleições presidenciais, em janeiro, o secretário-geral do PCP agastado com o mau resultado do candidato comunista, lançou uma farpa à bloquista Marisa Matias. "Podíamos arranjar uma candidata mais engraçadinha e com um discurso mais populista.".A 14 de setembro, foi o deputado comunista Miguel Tiago quem se atirou ao BE por causa do glifosato. A tentativa de proibir este herbicida suspeito de ser cancerígeno esbarrou nos votos da direita e dos comunistas. Os bloquistas não gostaram e Miguel Tiago respondeu à letra. "Na sua estratégia de isolar constantemente o PCP, o glifosato foi um eficaz produto." Afinal, a pouca química entre os dois não é de agora, com mais ou menos patas a espalhar.