Berlusconi

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O primeiro-ministro italiano lançou--se esta semana para a campanha eleitoral como um cowboy com ordem para matar e, mesmo numa personagem prolixa como Berlusconi em matéria de tiroteio verbal, nunca terá conseguido insultar tanta gente em tão pouco tempo. Os juízes são comunistas e vão a Cuba fazer turismo sexual; a oposição é tirânica e de um anticristianismo primário, para lá de acumular fraudes financeiras (bem prega Frei Tomás...); Romano Prodi é "patético", os jornalistas, italianos e estrangeiros, são os "piores do mundo".

Tomando de assalto as suas próprias televisões, Berlusconi todos os dias arenga, vomita insultos, combate pela manutenção da lógica delinquente do seu poder. Ao ponto de personagens insuspeitas de simpatias com juízes comunistas, como o democrata-cristão Marco Follini ou Gianfranco Fini, já terem vindo pedir mais contenção e menos regularidade nas aparições televisivas de campanha.

Há tempos, confrontado com um julgamento pelas suas actividades empresariais, afirmava-se vítima de uma perseguição por parte de "juízes vermelhos". Sintetizou o seu pensamento na seguinte frase "Numa democracia liberal, os magistrados politizados não podem escolher o Governo que preferem seguindo uma lógica de golpe de Estado."

É certo que nenhuma democracia deve ser vulnerabilizada por estratégias de poder desenvolvidas a partir de outros palcos institucionais que não os da política propriamente dita. Mas a questão decisiva não está na formulação de Berlusconi, que foi apenas mais um episódio da sua paródia para salvar a pele a partir do cargo de primeiro- -ministro, legislando em proveito próprio e privatizando o poder como quer, sob o manto da legitimidade eleitoral conquistada nas urnas. A questão está em saber se as democracias liberais ou outras que se orgulhem da separação de poderes e de serem Estados de direito democráticos vão consentir que políticos como Berlusconi tenham uma imunidade blindada.

Se qualquer processo judicial, assente em indícios sólidos, acusações consistentes, instruções contraditórias exercidas sem constrangimento, julgamentos que respeitem até ao fim a presunção de inocência, for equiparado a golpe de Estado, que fazer então da democracia? Se os dirigentes políticos não podem ser perturbados durante o exercício de funções públicas porque supostamente o valor da legitimidade eleitoral se sobrepõe ao mandato constitucional dos tribunais, nessa fórmula tão simplista pretendida por Berlusconi, então de que vale a democracia?

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