Depois de uma edição completamente online, o Festival de Berlim está de regresso ao formato presencial. Apesar dos números ainda impressionantes de infeções na capital alemã, as autoridades deram luz verde a um evento com restrições a toda a escala: salas a metade, menos dias de competição e obrigação de testes diários para todos os acreditados..Nesta altura, é o festival possível. Talvez por isso, não estejam aqui os grandes nomes que se poderiam pensar num festival de Lista A. A 72ª Berlinale terá uma coisa de certeza: pouca produção de Hollywood, os grandes estúdios não querem colocar estrelas numa carpete vermelha arriscada. Mas daí nasce outra certeza, renovada aposta na verdadeira identidade deste festival cada vez mais exploratório, a saber: o lugar à descoberta, mesmo considerando que estão convocados nomes consagrados como François Ozon, Hong Sang-soo ou a francesa Claire Denis. Dê por onde der, um festival que pode ser imprevisível, ter infinitas surpresas e subverter linguagens canónicas..Outra das trends deste ano é o novo (e o não tão novo assim) cinema português. Entre documentários, longas e curtas, há muito para ver nos sete cantos de Berlim (mais do que nunca, o festival está mais espalhado pela cidade). Uma invasão portuguesa que mostra toda uma diversidade estilística do nosso cinema. Pedro Cabeleira, com By Flávio, concorre ao Urso de Ouro na secção das curtas. Uma história dos nossos tempos digitais sobre um date num centro comercial de província entre uma mãe solteira e um rapper com ganas de ser "gangsta"..Dessa comitiva portuguesa, torna-se importante realçar o regresso a Berlim de Rita Azevedo Gomes após A Portuguesa, desta vez com o delicioso O Trio em Mi Bemol, adaptação livre de uma peça de Éric Rohmer, desta vez transportada para um plateau de um filme de autor de um cineasta tão cruel como teimoso. Um filme marcado por uma interpretação de Rita Durão à beira de uma transcendente perfeição. O cinema documental também estará bem representado com A Terra que Marca, de Raul Domingues, olhar sobre a fusão entre o homem e a terra; e Águas de Pastaza, de Inês T. Alves, fonte luminosa acerca da alegria da infância numa selva amazónica onde ainda se sente uma utopia. Aconteça o que acontecer, serão já vencedores antecipados..Quanto à caça do Urso de Ouro, à partida não há favoritos, embora seja sensato ter a antena mais virada para alguns dos títulos. Por exemplo, o austríaco Ulrich Seidl é sempre um nome a ter em conta. Um novo mestre do cinema do real, um cineasta sempre sem medo de expor casos e fraturas de uma sociedade de margens na sua Áustria. O seu novo chama-se Rimini. Também há um entusiasmo grande por Leonora Addio, de Paolo Tavianni, um dos nomes grandes do cinema italiano, aqui a filmar o caso da morte de um emigrante siciliano em Brooklyn. Muito esperados igualmente Rabye Kurnaz vs George W. Bush, do alemão Andreas Dresen, para mostrar que a Berlinale tem compromisso antissistema, e La Ligne, de Ursula Meier, uma das grandes cultoras do novo melodrama europeu..Ainda assim, o mais mediático filme do certame é o de abertura, Peter Von Kant, de François Ozon, desta vez a trocar o sexo numa peça de Fassbinder que já deu cinema, As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, com Isabelle Adjani e Dénis Menochet. Um filme já adquirido no circuito comercial português e a prova de que Ozon não sabe estar parado [Correu Tudo Bem estreou-se no final do ano passado...]. Da Berlinale Speciale há igualmente cinema muito apetecível, em especial nas antestreias da Berlinale Speciale, onde existe esse This Much I Know to Be True, de Andrew Dominick, documentário musical sobre a parceria de Warren Ellis com Nick Cave. Um caso de afeto australiano para celebrar um som que ajuda milhares a lutar contra os males da vida e do coração..E é da mesma secção que sairá Olhos Negros, o novo de Dario Argento, com a sua filha Asia Argento. Tudo isto num festival que vai homenagear Isabelle Huppert e que tem M. Nigh Shyamalan como presidente do júri. Uma Berlinale que, com a produção da European Film Promotion, promove a ação de apoio aos novos talentos, os Shooting Stars, na qual Portugal está muito bem representada com João Nunes Monteiro, a revelação de Mosquito..dnot@dn.pt